O desafio de controlar a asma

Tem uma grande prevalência em todo o mundo, mas enceta uma problemática universal: mais de 50% dos doentes não conseguem ainda controlar a sua doença adequadamente. Muito há ainda a fazer, mas também temos boas notícias: há novos tratamentos, mais seguros e evoluídos, é possível ter menos crises e ter uma melhor qualidade de vida.

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É uma doença inflamatória crónica das vias aéreas, complexa, heterogénea e atinge todos os grupos etários. Apesar de ser mais frequente em crianças, não será surpreendente que os séniores apareçam em consulta com crises inaugurais da doença, ou seja, sem que a mesma se tivesse manifestado anteriormente. Falamos-lhe de asma.

Ana Maria Arrobas, médica pneumologista do Hospital Geral do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, prefere referir-se a “asmas” uma vez que a patologia é desencadeada por várias situações e a doença difere consoante a idade em que se inicia, a sua evolução, os seus desencadeantes e a resposta à terapêutica. “A genética, o meio ambiente e tudo o que nos rodeia têm um papel predominante nesta doença”, avança a médica. A velha máxima “cada caso é um caso” aplica-se também à asma.

Segundo os dados do Inquérito Nacional de Prevalência da Asma de 2010, estima-se que 6,8% da população portuguesa sofrerá de asma activa. “De um modo geral, podemos dizer que cerca de 700 mil portugueses sofrem de asma”, explica Ana Maria Arrobas. O mesmo inquérito revela ainda que apenas 57% dos asmáticos têm a sua doença controlada, o que significa que aproximadamente 300 mil portugueses necessitam de melhor intervenção médica. Ainda assim, 88% dos asmáticos não controlados consideram – erradamente – que a sua doença está sob controlo. Ana Maria Arrobas denota que esta é uma situação “transversal a todos os países do mundo não sendo exclusiva de Portugal”. E alerta para outra situação: “Por vezes, a doença tem um tempo de intervalo, mas pode surgir algum desencadeante que origine o reaparecimento dos sintomas. A asma tem períodos de estabilidade e de agravamento, podendo ser imprevisível.”

Procurar ajuda especializada

Quando existem sintomas (ver caixa), há que procurar ajuda nos cuidados de saúde primários. “Os médicos de Medicina Geral e Familiar estão habilitados e têm conhecimentos para identificar a maioria das situações de pessoas com asma, e em cerca de quase 90% dos casos, para tratá-las. Existem ainda os casos de doentes que têm de ser referenciados para cuidados de saúde hospitalares, como por exemplo, os que têm asma associada a alergias, asma relacionada com a profissão, as grávidas asmáticas e aqueles que têm asma de difícil controlo ou asma grave”, sugere Ana Maria Arrobas.

O diagnóstico final chega após questionário clínico de sintomas, exames laboratoriais e a avaliação da função respiratória. Posteriormente, há que implementar terapêuticas que vão além da farmacologia. “É muito importante a evicção de agentes desencadeantes da doença. Quando a asma é alérgica, devem identificar-se os alergénios que a provocam. Faz parte do tratamento informar o doente se tem uma determinada alergia, que tipo de comportamentos deve ter e o que deve evitar”, explica a pneumologista.

Prevê-se que, a nível internacional, entre 5 a 10% dos doentes tenham asma grave, ou seja, não respondem ao tratamento habitual para o nível de sintomas que apresentam. Em Portugal, essa percentagem estima-se nos 7,4%. “O objectivo dos médicos pneumologistas e todos os especialistas que tratam asma é ter uma medicação de manutenção ou de controlo para que o doente não apresente sintomas e tenha uma excelente qualidade de vida”, acrescenta a médica. Consequentemente, pretende-se que o doente não tenha agudizações ou crises e não sinta necessidade de procurar consultas não agendadas ou serviços de urgência. 

Mediante a caracterização de cada doente e do tipo de asma que tem, há que sugerir uma terapêutica à sua medida. É também essencial que o asmático conheça a sua doença e saiba como actuar ao nível da prevenção e da adequação do tratamento consoante indicação do seu médico. “A terapêutica da asma baseia-se fundamentalmente em dispositivos inalatórios, o que vulgarmente os doentes chamam de ‘bombas’, que são utilizados de forma tópica dirigidos para a via respiratória e são mais eficazes, pelo que necessitamos de doses bem menores para o tratamento adequado”.

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Como controlar?

A maior causa de não controlo da doença é a falta de adesão ao tratamento. Ana Maria Arrobas diz-nos que “há doentes que têm receio dos inaladores, não sabem utilizá-los correctamente, têm uma má técnica e fazem muitos erros ao executar a inalação, apesar de todo o ensino e informação que os médicos providenciam nas consultas”. Por outro lado, os doentes que têm outras patologias associadas à asma, como por exemplo, rinossinusite, obesidade, distúrbios psíquicos, doença do refluxo gastroesofágico ou fumadores têm mais dificuldade em ver a doença controlada. “Estima-se que, para controlo efectivo da asma, o doente precisa de cumprir 80% da medicação diária. Sabemos que os doentes que usam e abusam de medicação de alívio e de SOS são aqueles que têm menor controlo da doença, mais risco de internamento e mesmo mais mortalidade”, explica Ana Maria Arrobas.

Nos últimos anos, com os progressos de investigação, têm surgido alternativas de terapêuticas biológicas, os chamados “anticorpos monoclonais, que são terapêuticas alvo dirigidas para determinados doentes após determinação do seu perfil, em termos clínicos, de inflamação das vias aéreas e de agudizações. É por isso fundamental que os doentes com asma grave sejam seguidos em consultas bem organizadas”, sugere a médica pneumologista. É a evolução da ciência a trazer maior qualidade de vida aos asmáticos uma vez que os corticóides orais funcionaram durante muito tempo quando não havia outra alternativa terapêutica e os doentes mais graves eram todos tratados da mesma forma. “No entanto, verificou-se que tinham muitos efeitos secundários e que era necessário reduzir esses fármacos”, sublinha a especialista.

A medicação biológica, sendo bem escolhida e bem adequada a cada doente, consegue reduzir significativamente o número e gravidade das agudizações. “Tem um enorme potencial, é segura e inclui-se na chamada Medicina Personalizada de Precisão que consiste em adequar o tratamento a cada doente, com características e perfis próprios.” A administração da medicação biológica acontece de 15 em 15 dias, mensalmente ou a cada dois meses e são apenas dispensadas a nível hospitalar. “Os doentes mantêm ainda a sua medicação inalatória mas muitos deles conseguiram uma suspensão da corticoterapia oral e mesmo redução da corticoterapia inalada”, explica Ana Maria Arrobas.

Apesar de todos os desafios, a médica pneumologista remata com uma mensagem de esperança. “A Medicina está em constante evolução, vamos conhecendo melhor as doenças, vão surgindo medicamentos com mais benefícios mas, em contrapartida, os doentes devem estar atentos e fazer a sua parte. Ir ao médico precocemente, conhecer e gerir a sua doença são estratégias essenciais”, conclui. Em suma, cuide de si, controle a sua asma e sobretudo defenda a sua saúde.