A arte de Ricardo Ribeiro num trio de respeito
Com João Paulo Esteves da Silva e Jarrod Cagwin, Ricardo Ribeiro mostrou ao vivo porque devemos ouvir e reouvir o seu Respeitosa Mente. Seu, dele e deles, porque é trabalho do trio.
Ricardo Ribeiro tinha razão, quando disse que Respeitosa Mente, o seu novo trabalho, era fruto de um trabalho colectivo, dele e dos músicos, e que o disco reflectia isso. “O importante”, disse na entrevista que concedeu ao PÚBLICO, “não é que as pessoas percebam, é que acreditem. E que sintam o que nós temos aqui para dar.” Ora no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, onde o disco foi apresentado ao vivo no dia 1 de Junho depois de estreado em palco na Casa da Música em 22 de Maio, essa afirmação confirmou-se plenamente.
Perante uma sala praticamente cheia, em cuja plateia se encontravam vários fadistas, Ricardo Ribeiro (voz), João Paulo Esteves da Silva (piano, e que piano!) e Jarrod Cagwin (percussões ágeis e criativas) mostraram desde o início a importância da coesão e trabalho do trio, soando a voz muitas vezes como instrumento de improvisação, enquanto se estabelecia, entre piano e percussões, os alicerces das canções, dos momentos mais líricos aos mais rítmicos, algures entre o jazz ECM e as influências arabizantes.
Ricardo começou por uma entrada “em falso”, voltando aos bastidores para logo regressar com as letras das canções (“ia logo esquecendo o mais importante”), mas isso não teve influência num bom arranque com o tema até agora mais difundido do disco, Depois de ti, com letra de Tiago Torres da Silva e música do próprio Ricardo Ribeiro. Seguiu-se-lhe Envoi (de onde foi retirado o título do disco) e Atraso, onde, numa coincidência algo divertida, quando Ricardo começou por cantar “Baixa a luz…”, a luz que incidia sobre a plateia (o espectáculo foi gravado pela RTP, para transmissão futura) baixou mesmo, ficando então reduzida ao mínimo.
Até aí, o espectáculo seguira a sequência do disco, mas depois optou por dar outra ordem às canções. E assim ouvimos a bela Derrota, com poema de Pedro Homem de Melo, seguida de uma canção com letra de Ricardo Ribeiro (“vou cantar uns versos meus, por culpa deste senhor”, disse ele, apontando para João Paulo Esteves da Silva) e de Deserta liberdade (com poema de António Ramos Rosa), só depois surgindo Alla luna, do poeta italiano Giacomo Leopardi (foi João Paulo que musicou todos eles) e que Ricardo dedicou “a uma amiga italiana, jornalista”.
Seguiu-se Um espaço e duas laranjeiras, outro grande momento da noite, que antecedeu um instrumental, Naná (que fecha o disco), que Ricardo Ribeiro compôs dedicado à sua mãe. Tão intenso quanto extenso (nele Ricardo toca guitarra clássica, como aliás também sucede em Depois de ti), foi interrompido por aplausos três vezes, até à quarta verdadeiramente terminar. Foi, em termos da reacção do público, o maior sucesso da noite e merecidamente aplaudido.
Mas o espectáculo estava ainda a dois terços. O regresso das canções fez-se com Soneto de mal amar (do disco Hoje é Assim, Amanhã Não Sei, de 2016), voltando ao disco novo com Vou fumar um cigarro (de Miguel Martins, música de João Paulo Esteves da Silva), seguida de versões de dois temas emblemáticos do cancioneiro português: Lembra-me um sonho lindo, de Fausto Bordalo Dias; e Os demónios de Alcácer-Quibir, de Sérgio Godinho. Num e noutro, Ricardo Ribeiro mostrou-se à vontade, trazendo a ambos o seu próprio dom de estilar.
O sítio (de João Paulo) e As Mondadeiras, uma quase-prece alentejana com um arranque solene, deram por terminado o concerto. Que ainda teria um encore, com as palavras de Ary dos Santos no Fado Menor, em Canto franciscano. Um final arrebatador para um concerto que confirmou a superioridade da arte vocal e interpretativa de Ricardo Ribeiro. Bem como, a par dela, a arte pianística maior de João Paulo Esteves da Silva, no piano e na composição, e a versatilidade, o bom gosto e o savoir faire percussivo do norte-americano Jarrog Cagwin.