Governo decreta luto nacional. Marcelo “curva-se perante o génio” de Agustina Bessa-Luís
Presidente da República sublinha “génio” de uma “criadora” de um “retrato da força telúrica de um povo”.
O Presidente da República já reagiu à notícia da morte da escritora Agustina Bessa-Luís, esta segunda-feira, e expressou as suas condolências. “Há personalidades que nenhumas palavras podem descrever no que foram e no que significaram para todos nós. Agustina Bessa-Luís é uma dessas personalidades”, lê-se na nota publicada no site da Presidência. Nesta terça-feira assinala-se um dia de luto nacional pela morte da autora.
Em memória da “criadora”, “cidadã” e “retrato da força telúrica de um povo”, como foi descrita na nota, o “Presidente da República curva-se perante o seu génio e expressa aos seus familiares as mais sentidas condolências”.
“De ‘antes quebrar do que torcer’ testemunhou, com o rigor inexcedível da sua escrita, nunca corrigida, o fim de um Portugal e o nascimento de outro. Um e outro feitos do Portugal eterno”, continua. “E é a esse Portugal eterno que ela pertence.”
“Portugal perdeu uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas”, diz Costa
Para António Costa, Portugal perdeu uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas, salientando que a obra de Agustina Bessa-Luís constitui “uma imensa tela sobre a condição humana”.
“Portugal perdeu uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas. Como toda a grande literatura, a obra de Agustina Bessa-Luís é uma imensa tela sobre a condição humana, sobre o que temos de mais misterioso e profundo. Sentidas condolências à família e amigos”, escreveu o primeiro-ministro no Twitter.
Ministra da Cultura: uma obra “virada para o passado, mas sempre presente”
Também a ministra da Cultura lamentou a morte da escritora, que classifica como “uma das grandes romancistas da literatura portuguesa e mestre de um dos mais originais processos criativos da ficção portuguesa”. Graça Fonseca realça ainda que Agustina é “autora de uma obra tantas vezes virada para o passado mas sempre contemporânea, sempre presente, [que] marcou a escrita em português a partir dos anos 50, inaugurando um novo espaço ficcional, à imagem de outras grandes mulheres e que, em conjunto com ela, revolucionaram radicalmente a prosa em português, como Maria Velho da Costa ou Maria Gabriel Llansol”.
No seu comunicado, a ministra lembra ainda “a cumplicidade” de Agustina com Manoel de Oliveira, que levou “à assinatura de obras fundamentais do cinema português, como Francisca e Vale Abraão”, mas também “Party, O Convento, Inquietude, O Princípio da Incerteza e A Alma dos Ricos”.
CDS elogia “inteligência rebelde” de Agustina Bessa-Luís
A líder do CDS-PP, Assunção Cristas destaca a “inteligência rebelde” e “poder feminino num mundo de homens” da autora. Numa mensagem divulgada aos jornalistas, Cristas afirmou que a “obra de Agustina Bessa-Luís é tão preciosa, inacabada e desconcertante como a vida”.
“A sua morte, hoje aos 96 anos, é altura para reconhecermos o milagre improvável de termos tido, em Portugal, quem nos escrevesse”, lê-se na mensagem de Assunção Cristas, que transmite as suas condolências à família.
Os centristas relembram, “em reconhecimento, uma vida tão original, que nunca aceitou nem se submeteu aos cânones nem a destinos traçados, escreveu e interveio em causas públicas num permanente exercido de liberdade e independência”.
Agustina deixa “uma das obras mais importantes do século XX”, considera Lídia Jorge
A escritora Agustina Bessa-Luís deixa, para a também escritora Lídia Jorge, “do ponto de vista da ficção, uma das obras mais importantes do século XX”.
Lídia Jorge classifica a obra de Agustina Bessa-Luís como “absolutamente extraordinária, multifacetada e que toca praticamente todos os géneros”, salientando que “onde ela brilha com fulgor único é na ficção”.
Lembrando que Agustina Bessa-Luís “sempre se assumiu não como uma feminista”, Lídia Jorge destaca que a escritora se coloca “na perspectiva das mulheres de uma forma única, defendendo essa perspectiva, mas não defende as mulheres como vítimas”. “Ela defende as mulheres como vencedoras, como lutadoras, como figuras de acção. Muita gente diz que a escrita dela é viril, mas não é viril, é forte, é voluntariosa, é diferente, é uma escrita em que as figuras femininas são voluntariosas, como ela própria era”, considerou.
“Era uma mulher de acção, ela tinha uma acção dentro dela, ela queria transformar as coisas e queria dar notícia dessa transformação, e toda a escrita dela é nesse sentido, no sentido de reclamar uma espécie de progresso que ela não define quais são os limites, mas é uma espécie de marcha, ela entende a marcha da humanidade”, afirmou.
Lídia Jorge considerou que Agustina Bessa-Luís “fez isso com um vigor criativo e com um domínio da língua portuguesa que só se encontra nos escritores do século XIX, como Camilo [Castelo Branco]”.
Lídia Jorge defendeu ainda que “essa síntese que Agustina Bessa-Luís foi capaz de fazer, e a interpretação que faz, do mundo actual, do pós-modernismo, está patente de uma maneira absolutamente extraordinária no último livro que escreveu, A Ronda da Noite. “[O livro] mostra que ela foi uma mulher, além de uma grande ficcionista que explorou os lados poéticos da língua, que soube interpretar as patologias do nosso tempo, e exaltar também as virtudes do nosso tempo”, afirmou.
Isabel Rio Novo recorda “obra extraordinária” que “não morre hoje”
A escritora Isabel Rio Novo, autora da biografia de Agustina Bessa-Luís, considera que a “obra extraordinária” da autora “não morre hoje” e “continuará a ser lida e apreciada seguramente daqui por 100 ou 200 anos”.
“Enquanto leitora, enquanto biógrafa e pessoa que ainda teve o privilégio de poder conhecer pessoalmente, sinto-me profundamente grata por uma obra extraordinária que não morre hoje”, disse Isabel Rio Novo à agência Lusa.
A escritora, que publicou em Janeiro a biografia O Poço e a Estrada, sobre Agustina Bessa-Luís, recorda “uma obra inqualificável, extremamente prolífica, de uma forma de escrita e de uma forma de compreensão e de indagação da natureza humana absolutamente única no contexto da literatura portuguesa e mundial”.
Isabel Rio Novo disse ter conhecido pessoalmente Agustina Bessa-Luís no contexto de projectos de investigação, e recordou “toda a sua inteligência, o seu humor, a sua graça, cuja gargalhada cristalina era verdadeiramente contagiante”.
Mário de Carvalho: a escritora extraordinária a quem só falta superar a imortalidade
O escritor Mário de Carvalho classificou Agustina Bessa-Luís como uma “escritora extraordinária” e “uma das grandes” do século XX, a quem já só falta superar um desafio, o da imortalidade.
O escritor destacou que a autora de A Sibila “ganhou o reconhecimento praticamente unânime de todos os seus confrades, porque, no meio literário, havia um consenso generalizado sobre a grande qualidade literária de Agustina Bessa-Luís.
Na opinião de Mário de Carvalho, a escritora, autora de uma extensa bibliografia, que inclui, além de romance, teatro, contos infantis, ensaios e biografias, conseguiu em vida ultrapassar os desafios que se colocam a um escritor, faltando-lhe agora um último.
“Até agora, tinha conseguido superar o desafio da qualidade, o desafio do reconhecimento, pelos seus semelhantes e pelos leitores. A partir de agora, o desafio é outro: o desafio da imortalidade, e não estaremos cá para saber se ela o ganhará ou não”, afirmou.
No entanto, vai avançando: “Do que conheço, impressiona a torrencial imaginação da Agustina, o grande domínio e elasticidade do tratamento da língua portuguesa e, do ponto de vista pessoal, uma maneira de ser também muito própria, que causava muitas vezes a admiração dos seus confrades.”
Obra de Agustina é “expressão riquíssima” para compreender o humano, diz presidente da Gulbenkian
Para a presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Isabel Mota, Agustina Bessa-Luís “é uma das grandes referências da cultura portuguesa contemporânea”.
“A língua portuguesa tem na sua obra uma expressão riquíssima para a compreensão do género humano e para uma inteligente e paradoxal abordagem da vida e da sociedade”, afirmou Isabel Mota, em comunicado.
Agustina Bessa-Luís morreu nesta segunda-feira de madrugada, aos 96 anos, confirmou o PÚBLICO junto de um familiar. A escritora estava doente há mais de uma década, mas o seu estado de saúde agravara-se nos últimos tempos.
A missa de corpo presente, celebrada pelo bispo do Porto, D. Manuel Linda, terá lugar na terça-feira, às 10h, na Sé do Porto, onde o corpo ficará em câmara-ardente até ser transportado para o jazigo da família no cemitério de Peso da Régua.