A Europa do Sul viveu “uma crise democrática” durante a recessão
Crise económica de 2007 a 2014 fez disparar a desconfiança nas instituições e na democracia entre os cidadãos de cinco países do Sul da Europa. A corrupção teve um papel determinante para o aumento do descrédito nos políticos.
A insatisfação com as instituições nacionais e europeias e com a democracia disparou de forma significativa durante a última crise económica entre os cidadãos de cinco países do Sul da Europa. Esta e outras conclusões constam de um estudo feito para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) que avalia as instituições e qualidade da democracia em Espanha, Grécia, França, Itália e Portugal antes, durante e depois da crise que durou entre 2007 e 2014.
Uma das principais ideias do estudo, que segundo a FFMS recorreu à maior e mais abrangente base de dados sobre regimes políticos do mundo, desenvolvida pelo projecto Varieties of Democracy, é que a grande recessão “gerou uma grave crise social e política nas democracias da Europa do Sul”. Diz mesmo que o aumento das desigualdades gerou nestes países “uma crise democrática, visível no exponencial aumento dos protestos por parte dos cidadãos e no simultâneo decréscimo da confiança nas instituições”.
Uma desconfiança face às instituições nacionais e europeias, tal como de insatisfação com a democracia, que está directamente associada “ao aumento do desemprego, dos níveis de pobreza e das desigualdades sociais, assim como aos débeis níveis de desempenho e crescimento da economia.”
Confiança em Portugal
Ainda de acordo com o estudo, o nível de confiança nas instituições políticas desceu nos cinco países da Europa do Sul desde 2000, “mas não foi de igual intensidade em todos os países e não incidiu de igual modo em todas as instituições”. Espanha e Grécia evidenciaram as quebras mais acentuadas de confiança ao longo do tempo, enquanto França, Portugal e, em alguns casos, a Itália registaram decréscimos menos acentuados.
O declínio de confiança é especialmente visível a partir de 2008, “parecendo absorver alguns dos efeitos colaterais da conjuntura de crise”. O estudo revela ainda que as instituições representativas – parlamentos, partidos políticos e governos – foram mais afectadas pela crise de confiança do que as instituições de execução, como a justiça e sindicatos.
Fica ainda claro que o desempenho económico e a qualidade das instituições políticas influencia de forma directa os níveis de confiança: “Taxas mais baixas de risco de pobreza, níveis mais baixos de desemprego e um melhor desempenho da economia geram taxas de confiança mais elevada. Índices de corrupção e o grau de descentralização dos processos de escolha dos candidatos fazem baixar a confiança.”
Os efeitos da corrupção
“Se o efeito da corrupção na confiança corrobora as nossas expectativas, o mesmo não acontece relativamente ao grau de descentralização dos processos de escolha de candidatos: maior inclusividade está associada a níveis mais baixos de confiança política, demonstrando, assim, que as medidas adoptadas pelos partidos não restauram, no imediato, as relações de confiança entre os cidadãos e as instituições do sistema político”, acrescentam os autores.
Demonstrado fica também que “sempre que os partidos políticos forem dotados de estruturas nacionais e locais fortes, a coesão legislativa for elevada, e as suas posições políticas forem claras e programáticas, mais fácil será o estabelecimento de laços duradouros entre os partidos e os cidadãos”. Igualmente maior será ainda “a confiança nas instituições e no processo democrático em geral”.
“Não é tanto a participação cidadã autónoma na sociedade civil ou partidos descentralizados e abertos que favorecem os laços de confiança entre cidadãos e democracia, mas antes a capacidade de os partidos e organizações da sociedade civil estabelecerem alianças políticas e canais de comunicação e colaboração regulares”, acrescenta.
Satisfação com a democracia
O estudo analisa também a satisfação com a democracia e o interesse pela política nos cinco países do Sul da Europa. E nesta matéria os resultados sobre Portugal são preocupantes, com o nosso país a ter o maior número de cidadãos que discorda da frase “a democracia pode ter problemas, mas é melhor que qualquer outra forma de governo”.
Os investigadores comparam duas vagas de estudos em que é avaliada relação entre cidadãos e os regimes democráticos. A primeira entre 1988 e 1997 e a segunda entre 1999 e 2008, último ano para o qual estão disponíveis dados longitudinais.
“Ao contrário do que havia sucedido nas décadas anteriores, são visíveis aqui algumas mudanças mais significativas na magnitude de adesão aos princípios democráticos. Mais concretamente, os níveis de apoio baixaram de modo significativo em França e, especialmente, em Portugal, de modo ligeiro na Grécia, e subiram de forma ténue em Espanha e Itália”, diz o estudo.
Portugal e a democracia
À escala comparada, na vaga de 2008, revela que Portugal era “o único país em que menos de metade dos inquiridos concordava fortemente com a ideia de que a democracia era claramente preferível em relação às alternativas”.
O trabalho conclui ainda que o índice de corrupção “tem um efeito causal directo na diminuição da confiança dos cidadãos” na democracia e “parece ter-se tornado mais prejudicial para os níveis de confiança na democracia após o advento da crise”.
“Quando os actores políticos usam os benefícios dos cargos políticos que ocupam, bem como, o acesso privilegiado aos recursos do Estado, para fins privados, instala-se uma crise de confiança. Os resultados parecem demonstrar que a responsabilidade da crise das democracias cabe na maior parte dos casos às elites políticas e não às massas”, dizem os investigadores.
Há dois resultados que se destacam neste capítulo. Por um lado, verifica-se que a satisfação com a democracia e o envolvimento em discussões sobre matérias políticas apresentam padrões distintos: “O aumento da insatisfação com o funcionamento da democracia não coincide, necessariamente, com uma maior propensão para o afastamento da esfera política”. Por outro, “a análise empírica revela que o advento da crise trouxe uma alteração importante no modo como as opiniões públicas dos vários países reagem ao funcionamento dos regimes políticos”. A intensificação da corrupção “passou a estar significativamente mais associada a quebras nos índices de satisfação com a democracia, algo que não se verificava antes do início da crise”.
O estudo foi coordenado por Tiago Fernandes, professor de ciência política da Universidade Nova, e teve a colaboração de José Santana Pereira, João Cancela e Edalina Rodrigues Sanches.
Segundo os autores, “este é provavelmente o primeiro estudo a compilar dados sobre a qualidade das democracias de cinco países da Europa do Sul por um período tão longo de tempo, desde os anos 1970 até ao dia de hoje”.