Futuro próximo da Espanha pendente do Cidadãos
Se o partido de Albert Rivera insistir em não fazer acordos com os socialistas, vai ter de abrir as portas a pactos com o Vox para que a direita governe em municípios como Madrid. Fraco desempenho do Podemos empurra Sánchez para um governo ao centro.
Ainda a noite eleitoral não tinha terminado e já o líder socialista (PSOE) Pedro Sánchez fazia apelos de responsabilidade a Albert Rivera, o presidente do Cidadãos. Os resultados das europeias e nacionais deste domingo em Espanha, com a vitória socialista e o resultado mais fraco do partido de centro-direita, antecipam uma possibilidade de Governo que vinha sendo posta de lado com muita insistência por Rivera: a do PSOE com o Cidadãos, que garante uma maioria absoluta estável para os próximos quatro anos (180 deputados em 350).
“É hora de levantar o cordão sanitário ao PSOE, que ganhou rotundamente em comunidades autónomas e câmaras municipais”, escreveu Sánchez no Twitter, numa mensagem com destinatário implicitamente claro. “Apelo à responsabilidade política para não deixar governos nas mãos da extrema-direita que defende um retrocesso nos direitos e liberdades que tanto custaram a conquistar”, acrescentou.
Do lado do Cidadãos (Cs), ao contrário do rescaldo das legislativas de 28 de Abril, em que o tom era de manifesta hostilidade em relação a Sánchez e aos socialistas, desta vez, o terceiro partido mais representado no Congresso espanhol surgiu com um tom mais conciliador.
“Vamos ser responsáveis. Os cidadãos viram-nos governar. O Cs pensa sempre no interesse geral”, afirmou esta segunda-feira a número dois do partido, Inés Arrimadas, numa conferência de imprensa tão curta (cerca de dez minutos) que pareceu feita de propósito para evitar responder a perguntas para as quais o partido não tem ou não quer dar ainda respostas.
Não é só a confirmação do PSOE como principal força política do país (nas europeias conseguiu mesmo subir a percentagem das legislativas de 28,7% para 32,8%) a empurrar a formação de Rivera/Arrimadas para os braços de Sánchez, é o fracasso da estratégia do Cidadãos em se afirmar como líder da oposição. O Partido Popular (PP) não só escapou ao prognóstico desastroso de desaparecer dos principais centros de poder regionais, como vai poder governar Madrid (em coligação), uma vitória simbólica e com perda de votos que garante um extra de oxigénio à garrafa que Pablo Casado traz às costas desde o desastre eleitoral de 28 de Abril.
Se num momento conjuntural propício para ocupar esse espaço à direita, o Cs acaba por perder mais de 1,4 milhões de votos num mês e o PP ainda recupera 154 mil votos, cai por terra a ambição política de Rivera de se assumir como voz da oposição e impõe-se o realismo político de aproveitar essa grande votação de 28 de Abril para chegar ao poder em Madrid.
O Cidadãos está numa encruzilhada política e isso reflectiu-se nas declarações de Arrimadas que insistiu numa ideia: “Somos sensatos, somos responsáveis”.
Abascal e o pacto andaluz
O fraco desempenho do Vox nas europeias (ficou-se pelos 6,2% face aos 10,3% das eleições gerais) pode dar uma ajuda à direcção do Cs na escolha a fazer, até porque foi Rivera que obrigou o histórico acordo de governo nas Astúrias a ser apenas bicéfalo, com o PP, remetendo o Vox para um apêndice parlamentar necessário para garantir a maioria.
Santiago Abascal, na noite de domingo, demonstrou claramente que não haverá outros acordos andaluzes e só viabilizará executivos à direita se o Vox deles fizer parte. “Quem quiser contar com o nosso apoio deve ser respeitoso e flexível”, afirmou o líder do partido de extrema-direita, garantindo que o Vox “vai fazer valer os seus votos”.
Por agora, o Cs pondera o caminho a seguir. Segundo disseram fontes do partido ao El País, um pacto de governo com o PSOE a nível nacional é “muito difícil”, até porque o cordão sanitário em torno de Sánchez estabelecido por Rivera foi de tal maneira gravado na pedra que recuar será equivalente ao engolir de um sapo.
O partido não tem, no entanto, os mesmos pruridos em matéria municipal ou autonómica ou, pelo menos, nunca declarou linhas vermelhas nesse domínio. Ao contrário do que fez na Andaluzia com o Vox, onde impôs como condição ao PP não negociar, nem governar com o Vox.
“Já demonstrámos como e com quem governa o Cidadãos, vimo-lo na Andaluzia. Isto vai ser coordenado pelo comité nacional”, disse Inés Arrimadas.
Para aumentar a pressão, Sánchez tem marcada uma reunião para esta segunda-feira à noite com o presidente francês, Emmanuel Macron, em Paris, aliado de Rivera na Europa. “Não podemos normalizar o que na Europa é absolutamente alarmante”, disse esta segunda-feira o secretário da organização do PSOE, José Luis Ábalos, na Cadena Ser. “Partidos que se dizem liberais não podem permitir o acesso ao poder da extrema-direita, quando foi claramente minoritária em Espanha”, acrescentou.
A seguir às eleições de 28 de Abril, ao felicitar Rivera pelo resultado, Macron lembrava ao líder do Cs que “o avanço da extrema-direita faz-nos lembrar que os progressistas se devem unir em toda a Europa”.
Não Podemos
O fracasso eleitoral do Podemos neste domingo também ajudou a definir horizontes a Pedro Sánchez. O partido de Pablo Iglesias voltou a descer nas europeias depois da queda registada nas gerais de 28 de Abril (embora em comparação com as europeias de 2015 até ganhe mais um eurodeputado, passando a seis, mas nessa altura estava sozinho e agora apareceu em coligação com a Esquerda Unida), passando de 14,3% para 10% e menos 1,2 milhões de votos.
Nas autonómicas e municipais, a formação de Iglesias sofreu duros reveses que a levaram a perder todas as câmaras menos a de Cádiz, enquanto o seu parceiro de coligação nas gerais, a Esquerda Unida, que se apresentou sozinha em quase todas as eleições autonómicas, só ficou com representantes em três comunidades.
O líder do Podemos ainda acordou esta segunda-feira agarrado ao discurso de ser opção certa para o governo nacional e com os argumentos de ser chave para o PSOE formar executivo em cinco comunidades. No entanto, aquele espaço denominado da mudança, que conquistara câmaras importantes há cinco anos, emergiu destas municipais com uma mão cheia de coisa nenhuma, perdendo todos os municípios, incluindo Barcelona e Madrid.
O caso de Madrid ainda é mais emblemático, porque a cisão dentro do Podemos, que levou Íñigo Errejón a deixar a direcção do partido para apoiar a recandidatura de Manuela Carmena (Mais Madrid), esteve na base da derrota da esquerda na capital, permitindo alguma margem de manobra de Casado na liderança dos populares.
O Podemos ficou dividido entre o apoio a Carmena e ao ex-vereador das Finanças madrileno Carlos Sánchez-Mato, da Esquerda Unida. E, confiante na reeleição da presidente da Câmara, Iglesias chegou a apelar ao voto útil na candidatura de Sánchez-Mato. Um duplo erro de percepção que se revelou demasiado caro para a esquerda na capital espanhola: Carmena ficou-se pelos 30,94% e Sánchez-Mato não conseguiu superar a barreira dos 5% para conseguir representação. Sem esses votos, os 19 vereadores do Mais Madrid com os oito vereadores do PSOE não chegam para superar os 30 vereadores da direita (PP, Cs e Vox).