Salvini beija cruz e espera ajuda divina para fazer aliança populista no Parlamento Europeu

Orbán queria forçar uma coligação entre o Partido Popular Europeu e os populistas e não o conseguirá. O vice-primeiro-ministro italiano sonha com um grande grupo parlamentar - mas não terá um caminho fácil.

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Matteo Salvini beijou a cruz numa conferência de imprensa FLAVIO LO SCALZO/EPA

O líder do partido de extrema-direita Liga e vice-primeiro-ministro de Itália beijou a cruz de um rosário e agradeceu “a quem está lá em cima, que não ajudou só Matteo Salvini e a Liga mas também a Europa”, ao comentar numa conferência de imprensa os bons resultados do seu partido nas eleições europeias de domingo. Mas é provável que nem com ajuda divina consiga traduzir os votos que teve numa aliança populista capaz de impor a sua agenda nas instituições da União Europeia.

“Já falei com Marine Le Pen, Viktor Orbán, Nigel Farage… Acredito que vou conseguir pôr de pé um grupo no Parlamento Europeu com 150 deputados”, afirmou Salvini nesta segunda-feira, ao mesmo tempo que assegurou não pretendia fazer cair o Governo em Itália.

É verdade que Marine Le Pen e a sua União Nacional ganharam (por pouco) as eleições europeias em França – mas perdeu dois eurodeputados em relação a 2014, ficou com 22. Estes juntam-se aos 28 de Salvini, e a entre dois e três deputados ganhos por partidos de extrema-direita da Áustria, República Checa e Bélgica, para perfazer um total de 58 no grupo parlamentar Europa das Nações e da Liberdade (ENL), tal como era a sua configuração no Parlamento Europeu cessante.

Melhor que os 34 actuais – mas ainda assim longe das expectativas inflaccionadas de obter uma centena de deputados.

Mas o objectivo da aliança que Salvini negociou nos últimos meses com vários países nacionalistas, populistas, eurocépticos e de extrema-direita europeus - todos hostis à imigração - é construir um novo grupo no Parlamento Europeu maior e mais representativo. Num comício em Milão, a 18 de Maio, conseguiu juntar representantes de 12 países, incluindo a Alternativa para a Alemanha (AfD), que até então se tinha mantido afastada desta iniciativa, e o Vox espanhol. Juntando os resultados destes partidos, o novo grupo poder ter 74 eurodeputados.

Há que sublinhar que várias formações que participaram no comício de Milão não conseguiram eleger um único eurodeputado – um exemplo notável é o Partido da Liberdade do holandês Geert Wilders.

Mas é ainda difícil dizer qual será a composição final desse grupo no Parlamento Europeu. A única certeza é que conquistar partidos para o integrarem é a palavra de ordem.

As adesões que seriam mais importantes seriam as do Lei e Justiça (PiS) – o partido conservador que está no poder na Polónia, e que obteve 23 eurodeputados – e o Fidesz húngaro (13 deputados).

O PiS faz para já parte do grupo Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), mas tem sido intensamente cortejado por Salvini para se juntar à sua aliança. Alguma da resistência que os polacos sempre tinham mostrado a aliar-se a um grupo que incluísse o partido de Marine Le Pen parece ter sido vencida nos últimos tempos – mas é preciso ver se a união chega a bom porto.

A proximidade da União Nacional de Le Pen com a Rússia, aliás comum a outros partidos de extrema-direita europeus – como a própria Liga de Salvini – pode ser um obstáculo para atrair partidos como o polaco PiS, ou a AfD alemã. Ao invés, pode ser um factor de união de outros partidos que funcionam na órbita russa.

Será determinante saber o que fará o Fidesz do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, suspenso do Partido Popular Europeu (PPE) devido a múltiplos atropelos ao Estado de Direito, e até, mais recentemente, a uma campanha de descredibilização da União Europeia, em especial do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

Ao mesmo tempo que tem encorajado e coberto de elogios a tentativa de formar uma nova aliança europeia de Salvini, Orbán afirmou que não apoiará a candidatura a presidente da Comissão do candidato do PPE, Manfred Weber. É preciso esperar para ver se Orbán levará até ao fim esta lógica de confronto.

“As eleições mostraram que Orbán pode ser um rei na Hungria, mas não um fazedor de reis na União Europeia”, comentou ao site Balkan Insight o analista Dániel Bartha, director do Centro para a Democracia e Integração Euro-Atlântica, um think tank independente em Budapeste. “Os partidos de extrema-direita não se reforçaram tanto como se esperava. Muitos eleitores na Europa Ocidental mobilizaram-se contra a direita radical. A crise antecipada por Orbán não se materializou.”

A estratégia de Orbán para a Europa, diz outro analista, Bulcsú Hunyadi, do think tank independente Political Capital, de “obrigar o PPE a fazer uma aliança com os populistas, tem poucas hipóteses de ainda vir a concretizar-se após estas eleições”, conclui.

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