O Porto Santo começa a dizer adeus ao petróleo
Primeiros passos de um plano para tornar a ilha mais sustentável começaram a ser dados. Governo regional já ambiciona levar o projecto para a Madeira.
O lugar das Pedras Vermelhas fica a meio de uma encosta e dali vê-se uma generosa parte do Porto Santo. A aridez acastanhada característica da ilha, que domina quase por completo a paisagem, contrasta com o azul-turquesa do mar, um casario branco mais ou menos concentrado e dois cabeços com árvores pequenas. A uma distância que não parece superior a dois ou três quilómetros está o ‘intruso’: uma solitária turbina eólica no meio de um terreno despido.
É neste momento a única turbina eólica da ilha, e vê-la ali assim, sem companhia e como que desfasada da realidade envolvente, não deixa de provocar um efeito cómico. Mas esta grande ventoínha foi responsável, em 2018, pela produção de 4% de toda a electricidade do Porto Santo. Outros 11% provieram do parque fotovoltaico da ilha, situado precisamente ali nas Pedras Vermelhas, e de outras pequenas instalações de captação de energia solar, enquanto os restantes 85% foram assegurados pela central térmica, movida a gasóleo. Mais precisamente, a 660 mil litros de gasóleo.
Existem planos para arranjar companhia àquela turbina eólica, que veio substituir três aerogeradores mais pequenos há cerca de vinte anos, mas para já as autoridades regionais estão concentradas em aumentar o peso das energias renováveis apenas com recurso a armazenamento. É possível, garante Diogo Vasconcelos, da Empresa de Electricidade da Madeira (EEM), que com o Governo Regional, a Agência Regional da Energia e Ambiente e o grupo Renault se lançou no ambicioso plano de tornar Porto Santo na primeira ilha do mundo a poder dizer adeus aos combustíveis fósseis.
O objectivo que está ao virar da esquina, já em 2020, é o de aumentar de 15% para 25% a quantidade de electricidade proveniente das renováveis – e isto sem aumentar a produção. O governo da Madeira está a investir quatro milhões na instalação de baterias eléctricas, em vários pontos da ilha, para poder armazenar a energia que já hoje é produzida e desperdiçada, uma vez que não há depósito. A ideia é simples: depender menos da central térmica para manter estável a balança entre produção e consumo; guardar a energia produzida durante o dia e encaminhá-la para a noite, tradicionalmente um período com mais consumo.
Para 2025 a meta já é ter 60% de electricidade a provir do sol e do vento e mais para frente fazer essa percentagem aproximar-se dos 100%. Mas aí já não se chega só com arrecadação de energia. E alcançar o fim a que se propõe o Porto Santo Sustentável - Smart Fossil Free Island – reduzir as emissões de dióxido de carbono até perto do zero – envolve mais coisas do que apenas a produção de energia.
Foi há quase três anos que o governo regional começou a falar neste plano que, não sendo inédito no mundo nem em Portugal, cai ao Porto Santo que nem uma luva – acreditam os seus responsáveis. Entre 2016 e 2018, data efectiva de arranque, o projecto ganhou nome inglês e parceiros internacionais: a fabricante de automóveis Renault e a The Mobility House, uma empresa alemã que cria produtos com vista à mobilidade livre de gases poluentes. Estão agora no terreno os primeiros passos concretos.
“Este é um marco importante na História destas ilhas”, diz Patrícia Dantas, directora regional adjunta de Economia, que acredita existir um vasto rol de benefícios. Melhorar a qualidade ambiental, a eficiência energética e a qualidade de vida dos ilhéus estão no topo da lista, mas há ainda outra questão a ter em conta: ilhas como o Porto Santo estão muito vulneráveis ao impacto das alterações climáticas e Patrícia Dantas diz-se preocupada, entre outras coisas, com “a sustentabilidade do destino turístico”. O turismo é o principal motor da pequena economia porto-santense. Habitualmente vivem na ilha apenas 5000 pessoas, mas no Verão a população chega a quadruplicar. Apresentar-se ao mundo como destino ambientalmente responsável pode ser fulcral para o futuro económico do Porto Santo.
Na lista de acções previstas no âmbito do Smart Fossil Free Island estão coisas como o incentivo da compostagem doméstica, recolha de óleos alimentares, melhoria dos regadios agrícolas, criação de percursos pedestres e itinerários turísticos pela Natureza ou a promoção do empreendedorismo jovem. Mas os parceiros do projecto põem a tónica sobretudo na energia e na mobilidade, que dizem ser os pilares sem os quais a estratégia não vai funcionar. A EEM anda a instalar contadores digitais por toda a ilha que permitem saber consumos em tempo real e gerir a rede de forma eficaz, enquanto o governo regional anuncia incentivos financeiros à compra de carros eléctricos.
Actualmente existem pouco mais de 20 carros eléctricos no Porto Santo, trazidos quase todos pela Renault, mas o executivo de Miguel Albuquerque espera conseguir convencer muitos habitantes a aderir à mobilidade eléctrica com um bolo de apoios no valor de 400 mil euros, que Patrícia Dantas prometeu para o orçamento do próximo ano. Os cidadãos são livres para comprar a marca automóvel que entenderem, mas o fabricante francês leva a dianteira.
Não só porque, em 2018, distribuiu viaturas por várias entidades públicas e privadas da ilha, mas também porque está a investir em força numa tecnologia que vai estar disponível no Porto Santo: os carros bidireccionais. Com chegada maciça ao mercado prevista para dentro de dois ou três anos, estes veículos têm a particularidade de poder fornecer a sua energia à rede eléctrica, em vez de apenas a receberem.
Eric Feunteun, director de Novos Negócios da marca, diz que a grande maioria dos carros está parada em 80% do dia e que já hoje é possível, através de aplicações para o telemóvel, controlar à distância o nível de bateria pretendido e a que horas. Isto, conjugado com a aplicação que a The Mobility House implementou no Porto Santo, vai permitir pôr no mesmo caldeirão as necessidades da rede eléctrica e as necessidades de cada veículo para que, quando for preciso, sejam os carros a dar energia às casas.
Os parceiros deste projecto olham para o Porto Santo como um laboratório do futuro. Uma ilha pequena, com poucos habitantes e com poucos carros (cerca de 3000, segundo Patrícia Dantas, o que ainda assim dá uma taxa de motorização bastante alta) parece o sítio ideal para experiências deste tipo, mas já antes houve ali tentativas de reduzir a dependência dos combustíveis fósseis que falharam.
Apesar disso, tanto Patrícia Dantas como Rui Rebelo, presidente da EEM, acreditam que este projecto vai vingar e, ainda mal os primeiros passos estão dados, sonham já em expandi-lo à ilha da Madeira, cujas condições são, no entanto, bastante diferentes das do Porto Santo. Daí, a ambição é servir de exemplo para outras ilhas e regiões do mundo. “Isto não é ficção, já é uma realidade”, afirma Rui Rebelo. “Queremos que o Porto Santo seja uma referência a nível internacional.”
O PÚBLICO viajou ao Porto Santo a convite do grupo Renault