Que poderemos fazer pela Europa?
A doce ilusão de vivermos numa ilha onde os riscos do extremismo parecem ainda longínquos não nos deve fazer baixar os braços.
Em mais um pertinente artigo, aqui publicado na passada terça-feira, José Pedro Teixeira Fernandes interroga-se: “O que está errado nas eleições europeias?”. A Europa tornou-se opaca, ilegível aos olhos dos cidadãos das nacionalidades que a compõem e cujas perspectivas se vêm modificando sobre o seu destino. Recorde-se, a propósito, que algumas tendências iniciais dos nacionalismos extremistas hostis à integração europeia e à moeda única têm vindo a ser substituídas por posições mais “pragmáticas” e que se propõem “reformar” a Europa por dentro. Daí, também, a famosa “crise existencial” a que todos se referem. Mas, afinal, de que estamos verdadeiramente a falar?
Quando as coisas parecem perder-se na tradução e tornar-se incompreensíveis à escala europeia, não é de surpreender que a maioria dos eleitores dos diferentes estados membros se refugiem num léxico caseiro e nas preocupações politicamente mais correntes a nível doméstico. É isso, aliás, o que também acontece em Portugal, chegando mesmo ao grau zero do debate político com picardias para todos os gostos – como vimos ao longo desta campanha.
O drama maior é que tudo isto ocorre no momento mais agudo dessa “crise existencial” europeia. Apesar dos caminhos tão ínvios e contraditórios que temos pela frente, se a Europa não for capaz de reconstruir a sua arquitectura política e económica, libertando-se dos grilhões tecnocráticos que tendem a encerrá-la na impotência e na incompreensão, então não será apenas o seu destino e um imenso desafio civilizacional que estarão em jogo. Será o próprio equilíbrio de forças planetário, se as potências mais agressivas, unilaterais ou imperiais – como é o caso actual dos EUA, da China e da Rússia – ficarem sozinhas em cena.
A Europa é cada vez mais necessária, mas uma Europa onde possamos reconhecer-nos para além das nacionalidades e línguas que falarmos – uma Europa não fechada sobre si mesma, na linguagem cifrada de instituições inacessíveis à compreensão e escrutínio do cidadão comum. Só que no caminho percorrido até agora muitas dessas referências e balizas se foram diluindo, enquanto cresciam as fixações identitárias, as crises migratórias e as crispações xenófobas – para não falar nessa ruptura de consequências ainda mais incontroláveis que é o “Brexit”.
Nunca as perspectivas que a Europa enfrenta foram porventura tão sombrias como hoje. Mas precisamente por causa disso – e apesar do que “está errado nas eleições europeias” – é fundamental não deixar cair a réstia de esperança no futuro europeu, face às terríveis ameaças que se conjugam contra ele, levando por vezes as forças do nacionalismo xenófobo a se apresentarem como peões maiores do jogo político – como acontece em Itália e até em França.
A doce ilusão de vivermos numa ilha onde os riscos do extremismo parecem ainda longínquos não nos deve fazer baixar os braços. Quer queiramos, quer não, vivemos num mesmo espaço civilizacional, essa Europa hoje tão exposta aos vírus que vêm alastrando no interior da maior utopia humanista que sucedeu à carnificina de duas guerras mundiais.
Uma voz optimista é a do historiador israelita Yuval Noah Harari, autor de Sapiens, o maior best-seller dos últimos anos. Para ele, “a União Europeia representa até agora a melhor tentativa de encontrar o bom equilíbrio entre interesses nacionais, regionais e mundiais. Instaurou uma cooperação efectiva entre centenas de milhões de pessoas – sem lhes impor um Governo, uma língua ou uma nacionalidade única. (…) Se a Europa é capaz de ensinar ao resto do mundo como promover a harmonia sem a uniformidade, a humanidade tem excelentes hipóteses de prosperar no decurso do próximo século. Se a experiência europeia fracassar, como esperar que o resto do mundo tenha sucesso?”