Violência contra profissionais de saúde aumenta. Há quatro queixas por dia

Nos três primeiros meses deste ano, a Direcção-Geral da Saúde recebeu quase quatro centenas de queixas de violência no local de trabalho. Ordem dos Médicos cria gabinete para apoiar profissionais vítimas de agressão ou que estejam em estado de exaustão extrema.

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Paulo Pimenta

Um cirurgião foi esfaqueado por um doente que irrompeu pela sala onde este estava a operar, no serviço de urgência do hospital de Peniche, em Fevereiro passado. É um caso limite, mas não é um caso raro. Os médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde nunca se queixaram tanto como este ano de episódios de violência no local de trabalho. Entre Janeiro e Março, chegaram à Direcção-Geral de Saúde (DGS) quatro denúncias de situações de violência por dia, em média.

Foram perto de quatro centenas (383) de notificações em apenas três meses, quando em 2018 os episódios de violência no local de trabalho reportados à DGS ascenderam a 953 em todo o ano, batendo todos os recordes desde que este sistema de notificação de incidentes foi criado, em 2007.

“São números preocupantes, mas a incidência é muito mais elevada do que a reportada”, reage o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Miguel Guimarães. “Há médicos agredidos todos os dias”, assegura o bastonário, que conta que, quando o cirurgião de Peniche foi esfaqueado no início deste ano, decidiu escrever sobre o caso no Facebook e recebeu nessa altura “dezenas de queixas de médicos que disseram também ter sido vítimas de violência no local de trabalho mas preferiram não apresentar denúncias”.

“Os casos estão a aumentar e a culpa não é só dos cidadãos. Os médicos e os enfermeiros estão a trabalhar sem as condições adequadas, com pressa, e tudo isto tem consequências, os doentes ficam irritados”, explica Miguel Guimarães, que classifica a profissão médica como “de desgaste rápido e de risco”. 

Do total dos 4.639 incidentes reportados desde 2007 à DGS, a maior parte (59%) são casos de “assédio moral”, mas 19% são situações de violência verbal e 13% são mesmo casos de violência física. E, se os enfermeiros são o principal alvo das agressões (51%), os médicos (27%) surgem em segundo lugar na lista. Os agressores são sobretudo os doentes (56%) ou os seus familiares (21%), mas também há situações em que a violência parte dos outros profissionais de saúde.

Foi justamente para apoiar os profissionais vítimas de agressões no local de trabalho e também aqueles que se encontram em estado de exaustão extrema (o chamado burnout), outro fenómeno mas com uma “raiz comum” à violência, que a OM decidiu criar agora um Gabinete Nacional de Apoio ao Médico, “uma via de acesso rápido” para quem precisa de ajuda, nas palavras de Miguel Guimarães. O anúncio foi feito nesta sexta-feira, dia em que foi publicado na revista da OM um estudo antigo, mas agora actualizado, sobre o burnout na profissão médica. 

Feito em parceria pelo Instituto de Ciências Sociais da universidade de Lisboa e a Ordem dos Médicos, o estudo revelou dados inquietantes, com 66% dos inquiridos a admitir estar em estado de exaustão emocional, uma das três dimensões da complexa síndrome de burnout. As outras são a despersonalização (incapacidade de empatia, cinismo admitido por 39% dos profissionais) e a diminuição acentuada da realização profissional (30%). É um estado de desgaste extremo, que, além de atingir o próprio, afecta de forma significativa a relação médico-doente e a qualidade dos cuidados de saúde prestados.

Coordenado pelos médicos Nídia Zózimo (Lisboa), João Redondo (Coimbra) e Dalila Veiga (Porto), este gabinete terá uma via de acesso directa (um e-mail) para os profissionais que precisem de ajuda, mas quem quiser pode pedir apoio directamente ao bastonário. Mas o que se pretende com este projecto é ir para além do apoio directo: o objectivo é também definir estratégias de prevenção e recomendações, procurando-se igualmente a colaboração de outras instituições, nomeadamente o Ministério da Saúde.

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