Empoderamento das mulheres pela Nike? Hipocrisia, acusam atletas
Desportistas apontam o dedo à marca, dizendo que tiveram o patrocínio suspenso após engravidarem. Atitude vai contra campanhas publicitárias que enaltecem feitos das atletas.
“Uma mulher ganhar 23 grand slams, ter um bebé e voltar [ao court de ténis] para mais? Louco”. A voz de Serena Williams era firme, mas emotiva. Num anúncio publicitário lançado em Fevereiro, a Nike, marca de artigos desportivos, apelava às mulheres para lutarem pelos seus direitos, pela igualdade de género, enaltecendo feitos de atletas que, antes de acontecerem, eram tidos como barreiras intransponíveis no desporto feminino.
O anúncio publicitário recolheu muitos elogios. Mas, de acordo com o testemunho da atleta Alysia Montaño, essa mensagem não passava de hipocrisia: “Era patrocinada pela Nike e quando lhes disse que queria ter um bebé eles disseram: ‘Simples. Vamos colocar uma pausa no teu contrato e deixar de te pagar’.”
A corredora norte-americana — que foi campeã nacional por seis vezes — contou a sua história este mês ao New York Times, denunciando a ausência de protecção que as atletas enfrentam durante o período de gravidez. Adiantou, ainda, que o Comité Olímpico dos Estados Unidos retira o seguro de saúde às atletas grávidas caso elas não mantenham as boas prestações nas provas.
A atleta deixou entretanto a Nike e começou a ser patrocinada pela Asics. Depois de ter a primeira filha — e num momento em que estava a recuperar do parto — a marca japonesa também ameaçou deixar de pagar o contrato de patrocínio que ambas as partes tinham assinado. “Não haver qualquer sistema [de protecção financeira] em prática para as atletas põe a nossa saúde em risco. Os nossos patrocinadores sabem que isto não é justo e, por isso, colocam cláusulas de confidencialidade nos contratos, que nos impedem de falar da dimensão do problema e nos proíbem de o alterar.”
Pressionada pela falta de apoios financeiros, Alysia Montaño fez vários sacrifícios para voltar às provas o mais rapidamente possível. Competiu com os abdominais ligados, extraiu leite durante várias horas antes das corridas, como descreve no texto. “Empresas como a Nike dizem-nos para sonhar alto. E que tal se eles parassem de tratar as nossas gravidezes como lesões? Dizem-nos para acreditarmos em algo. E que tal se acreditássemos em licenças de maternidade?”, questiona a corredora.
“Nunca me irei perdoar”
No artigo de opinião no jornal nova-iorquino, há mais vozes que se juntam à de Alysia. A corredora olímpica Kara Goucher soube que a Nike lhe deixaria de pagar, caso não voltasse à competição. Começou a treinar apenas uma semana após ter dado à luz. Três meses depois, inscreveu-se numa meia-maratona. Quando o filho ficou seriamente doente, foi obrigada a escolher: estar com o bebé ou treinar para a corrida que representaria o regresso do seu vencimento. Escolheu o segundo.
“Senti que tive de o deixar no hospital, apenas para ir correr, em vez de estar com ele como uma mãe normal faria”, disse ao New York Times, a chorar, no mesmo artigo. “Nunca me irei perdoar por isso”, concluiu.
A Nike assumiu, através de um comunicado, que algumas atletas sofreram uma redução de contrato pelo facto de terem engravidado. Garantiram, porém, que houve uma alteração às políticas da empresa e que, a partir de 2018, deixaram de existir penalizações. Apesar destas alegadas mudanças, um contrato actual a que o New York Times teve acesso mostrava que a empresa ainda tem o poder de reduzir o pagamento por “por qualquer razão”, caso o atleta não cumpra certos objectivos definidos — um lugar no top 5 do ranking mundial, por exemplo. Não existem excepções para os períodos de gravidez ou maternidade.