15 de Março, 10h30, o Largo Camões em Lisboa transbordava de estudantes com cartazes no ar, aguardando ansiosamente o início da marcha em direcção à Assembleia da República. Foi em frente à Assembleia que o mar de gente se fez ver e ouvir. Milhares de pessoas ocuparam a rua naquela que foi a maior manifestação pelo clima alguma vez feita em Portugal.
Exactamente dois meses depois, o debate acerca da emergência climática chega pela primeira vez ao país, fruto talvez do enorme burburinho que se fez sentir nos tempos que sucederam a 15 de Março e que agitava gradualmente a sociedade civil e os meios de comunicação. Ironicamente, o Ministro do Ambiente descarta a hipótese de se declarar emergência climática. Será que os berros eufóricos de 10 mil estudantes não chegaram a atravessar São Bento?
João Pedro Matos Fernandes afirma que essa declaração seria apenas um “gesto simbólico”. A verdade é que o simbolismo da declaração de emergência climática é o mínimo que se pode fazer.
Para conseguirmos olhar para esta luta de um outro prisma, mais sério e comprometido, é necessário alterarmos a forma como nos referimos a ela. A forma como chamamos as coisas diz muito sobre a maneira como as encaramos. Neste caso, “alterações climáticas” pode ser um reflexo de décadas a perspectivar a crise climática como uma mera variação de temperatura e precipitação, reduzindo a questão a uma nota de rodapé e a um inconveniente para a economia, no fundo, um capricho de hippies e ambientalistas.
Já o termo “emergência climática” desperta para a ideia de que, realmente, estamos em contra-relógio. Deixa no ar o apelo à mobilização extraordinária de recursos e esforços governamentais no sentido de mitigar as alterações climáticas. Refere-se não a uma emergência descontrolada e irracional provocada por pânico, mas sim ao reconhecimento de que a situação é mais grave do que pensávamos e de que é necessário “pôr mãos à obra”, abrindo caminho para um debate mais profundo acerca do problema.
Que Portugal é um dos países com as metas e propostas “mais exigentes do mundo”, como defendido na sessão parlamentar pelo ministro, é verdade. Ora, é também verdade que, no que diz respeito à acção climática, nem os melhores do mundo estão a fazer suficiente. É, portanto, essencial que quem está, agora e de futuro, no poder, ouça os estudantes no sentido de não se render ao negacionismo sofisticado, não se apoiando eternamente em medidas que, apesar de produtivas, deverão ser conciliadas com ainda mais políticas públicas no sentido de fazer a mudança de paradigma acontecer na íntegra.
Os estudantes são absolutamente cruciais para manter acesa a massa crítica da sociedade, pressionando activamente e acelerando o processo da transição energética, nunca permitindo que a luta contra as alterações climáticas ganhe pó às mãos de governantes que se reclinam em pequenas vitórias.
Desde há uns meses para cá que os jovens de todo o mundo têm vindo a ser cada vez mais exigentes para com os líderes dos seus países, lutando incansavelmente para que a justiça climática esteja no topo das agendas políticas. E desta forma continuará a ser, pois o processo que se iniciou já não tem volta a dar: a juventude (re)descobriu as suas potencialidades, felizmente ainda a tempo de ver o seu futuro salvaguardado.
Assim, a sociedade civil e os meios políticos devem escutar com atenção a mobilização jovem, pois só desta maneira será assegurado o progresso eficaz e estrutural em direcção à equidade e à justiça climática.
Com a Central de Sines tranquilamente a funcionar a carvão até 2029 e os contratos para explorar gás no centro do país ainda em cima da mesa, não me parece que tenhamos tempo para negacionismo sofisticado. Dia 24 de Maio, sexta-feira, os estudantes manifestar-se-ão de novo. Espera-se que, desta vez, as palavras de ordem ecoem em São Bento e a emergência climática seja reconhecida como o maior acto simbólico que pode ser feito.