Trienal de Oslo selecciona solução para derrocada do Monte Xisto que Matosinhos rejeitou

Em 2014, a câmara de Matosinhos abraçou o projecto de Paulo Moreira, que solucionaria os danos causados pela derrocada naquele morro há quase 14 anos e evitaria novo incidente. Mas até hoje, o arquitecto continua a não ter uma resposta formal por parte da autarquia.

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Na última semana saiu o anúncio dos projectos seleccionados para a Trienal de Arquitectura de Oslo. Da lista tornada pública faz parte o trabalho desenvolvido pelo único arquitecto português que vai lá estar. Paulo Moreira, representará Portugal na Noruega com Monte Xisto, projecto desenvolvido com o aval da câmara de Matosinhos, que o abraçou, para solucionar os danos causados pela derrocada que em 2005 afectou um conjunto de casas daquele morro da freguesia de Guifões, Matosinhos, e colocou outras em risco.

O projecto do arquitecto foi seleccionado, sobretudo, pela solução que encontrou para a construção dos muros de suporte que serviriam para evitar outra derrocada naquela Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI). Porém, apesar de a autarquia ter dado luz verde a esta solução em 2014, anos depois o projecto foi guardado na gaveta. O trabalho desenvolvido por Paulo Moreira vai estar em Setembro em Oslo, mas já não será, de acordo com a câmara, o que vai ser executado no Monte Xisto. Não será este, mas também não existem alternativas. Após 14 anos da derrocada continua a não existir uma luz ao fundo do túnel para as famílias que tiveram de abandonar “temporariamente” as casas que habitavam e aquele morro continua a estar em risco de nova derrocada.

Só em Julho do ano passado é que o arquitecto ficou a saber que o projecto que desenvolveu com contrato assinado com a câmara - que pagou os honorários para o fazer - não ia avançar para a fase de execução. Não foi a autarquia que o contactou para lhe dar conta de que aquela parceria ficava por ali. Paulo Moreira tomou conhecimento do sucedido via depoimentos do vereador da Educação e do Ambiente, Correia Pinto, também responsável pela promoção de obras no Espaço Público, em reportagem do PÚBLICO publicada em Julho do ano passado.

Na altura, o autarca afirmou que o projecto do arquitecto tinha um “valor muito elevado” - 3,5 milhões euros, incluindo expropriações. Estes valores entram em choque com os apresentados por Paulo Moreira, que continua a afirmar não ultrapassarem os 1,7 milhões de euros, também já com o dinheiro gasto em expropriações, valor que considera reduzido, tendo em conta que seriam construídas três novas habitações, um campo de jogos, um jardim, uma praça e o muro de suporte.

O arquitecto explica que o projecto está separado em quatro módulos. Qualquer um deles podia ser posto de lado, ajustando-se às necessidades prioritárias e ao orçamento disponível. O custo da construção dos muros e do campo de jogos, diz-nos rondar os 500 mil euros. “Se não se avançar com as outras áreas, dá perfeitamente para construir o que é mais prioritário”, diz.

De solução à rejeição

Não é a primeira vez que o projecto do Monte Xisto está num evento como o de Oslo. Em Maio de 2014, esteve na Bienal de Veneza. Antes de seguir para Veneza, o átrio dos Paços do Concelho também serviu de sala de festa para receber os moradores do bairro e uma exposição alusiva ao projecto do arquitecto, quando Guilherme Pinto, que faleceu em Janeiro de 2017, era presidente.

Após o falecimento de Guilherme Pinto, Paulo Moreira diz que se tornou mais difícil falar com a autarquia para apresentar o projecto final. Conseguiu uma reunião com Eduardo Pinheiro, que substituiu o autarca. Garante que lhe terá dito que, se o acordo estava assinado, era para cumprir. Em Outubro de 2018, Luísa Salgueiro assume a liderança da câmara. O executivo é praticamente o mesmo. Não conseguiu apresentar o projecto final à actual presidente. Diz que os serviços técnicos da câmara deram-lhe a entender que o projecto poderia não seguir. “Disseram que era muito caro”, conta. Se o problema fosse esse, explica que algumas fases projectadas poderiam ser eliminadas. Oficialmente diz nunca ter recebido nenhuma resposta, contava-nos em Julho do ano passado.

Continua a não receber nenhuma resposta formal por parte da autarquia, mas também continua disponível para pôr o projecto em prática. “Se for para avançar só com os muros que se avance”, afirma, sublinhando que esta é uma solução prática e barata, tendo em conta a forma como são construídos – ao estilo gabiões, com pedras dentro de uma espécie de gaiola.

Apesar de ter contacto os serviços técnicos da câmara para informar que o projecto ia estar em Oslo, o que disse ter sido recebido com algum entusiasmo pela autarquia, quando pediu apoio para materiais para construir a maquete que vai estar na Noruega voltou a deixar de ter resposta.

Contactado pelo PÚBLICO, Correia Pinto, via e-mail, por encontrar-se fora do país, diz que “nem todos os projectos são concretizados”, referindo-se ao facto de em Abril de 2016 o projecto ter sido adjudicado ao arquitecto. “Não há nada no contrato que diga que a obra vai ser concretizada”, sublinha.

Porém, ao contrário do que disse noutras alturas quando categoricamente afirmou que o projecto não seria executado, agora joga à defesa e explica o porquê de a autarquia não ter informado oficialmente o arquitecto. “A câmara comunicou ao arquitecto informalmente, pois o facto de, neste momento, a obra não estar no plano de actividades da câmara não significa que, mais tarde, não possa vir a ser concretizada, por exemplo se houver a possibilidade de recorrer a fundos comunitários”, diz.

Se este projecto não avançar, refere ainda, não há alternativas à solução apresentada por Paulo Moreira em 2014. Entretanto, passaram quase 14 anos desde a derrocada e pelo menos uma das famílias que ali habitava continua à espera de uma solução para poder abandonar a casa que lhes foi cedida “temporariamente” para poder voltar à habitação que ali deixou. Enquanto esperam, o morro continua em risco de nova derrocada, razão pela qual foram evacuados.

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