May fechou-se num bunker para se esquivar à demissão imediata
Nova versão do acordo do “Brexit” não recolheu simpatia e fez soar as sirenes para a possível queda da primeira-ministra esta quarta-feira. Saída de Leadsom deixa May agarrada às cordas, à espera das eleições europeias de quinta-feira.
“O sofá está encostado à porta, ela não vai sair”. A frase é de Ian Duncan Smith, um crítico assumido de Theresa May e apoiante fervoroso da saída mais dura do Reino Unido da União Europeia. “Ela” é a primeira-ministra britânica e a porta presume-se ser a do n.º 10 de Downing Street. A descrição alegórica utilizada pelo deputado conservador espelha bem o estado de total desordem da política britânica, que teve esta quarta-feira mais um desconcertante capítulo, dedicado ao futuro imediato de May e a como uma eleição indesejada (as europeias) serve agora de desculpa para ganhar tempo.
Um capítulo em que as previsões de demissão iminente e as garantias de continuidade temporária da primeira-ministra se atropelaram e contradisseram durante toda a tarde nos sites dos principais meios de comunicação e no feeds das redes sociais mais seguidas. E um capítulo que, ao início da noite, se esfumava, enfastiante, fruto de uma mistura de rumores exagerados com a recusa de May em alimentar esses mesmos rumores, fechando-se em Downing Street, à espera das eleições europeias desta quinta-feira – nas quais o Partido Conservador aponta aos 7% dos votos e um humilhante quinto lugar, e o Partido do “Brexit” deve sagrar-se vencedor.
No centro do furacão está a derradeira tentativa da (ainda) líder do Governo para conseguir aprovar o acordo do “Brexit” em Westminster, apresentada na terça-feira sob o epíteto de Brexit New Deal, que foi pessimamente acolhida por todos os lados da arena política. E abriu diversas frentes de oposição à primeira-ministra, com deputados conservadores a decretarem “o fim da linha” para May e o Conselho de Ministros em revolta aberta.
A disrupção foi tal que Andrea Leadsom, Líder da Câmara dos Comuns – cargo com assento no Conselho de Ministros, semelhante a de líder da bancada parlamentar – decidiu apresentar a demissão ao final da tarde, justificando a decisão por quatro motivos: o acordo do “Brexit” limita a soberania do Reino Unido; o segundo referendo é “perigosamente divisivo”; houve falta de escrutínio do Conselho de Ministros às mais recentes propostas de May; e o Governo incorreu num “colapso total da sua responsabilidade colectiva”.
“Deixei de acreditar que a nossa abordagem cumpra com o resultado do referendo”, escreveu Leadsom na carta enviada à primeira-ministra.
Sem líder da bancada, May nem sequer poderá apresentar aos deputados a nova versão do seu acordo de saída. E isolada dentro do Partido Conservador, não se adivinha fácil a tarefa de nomear uma nova pessoa para o cargo, antes da votação. Mas a estratégia, essa, não fica beliscada com a saída de Leadsom.
“Leadsom serviu com distinção e habilidade, (...) estamos desapontados com a sua demissão e a primeira-ministra continua focada em cumprir o ‘Brexit’ que as pessoas votaram”, respondeu Downing Street, através do seu porta-voz.
“Fim da linha”
A inclusão de uma disposição que permitirá aos deputados darem luz verde ou rejeitarem a convocação de um novo referendo na proposta que May quer levar, pela quarta vez, à Câmara dos Comuns, na primeira semana de Junho, foi a gota de água para a facção eurocéptica do Partido Conservador e para muitos dos ministros brexiteers, como Leadsom – mas também remainers –, que iniciaram contactos paralelos e pediram audiências privadas à primeira-ministra para lhe suplicar que não avance com esse plano ou que desmarque a votação parlamentar do acordo.
Sajid Javid (ministro do Interior), Jeremy Hunt (Negócios Estrangeiros) e David Mundell (ministro para a Escócia) foram alguns dos que solicitaram ser recebidos por May e que levaram uma nega de Downing Street, transformado em bunker.
Um tweet da editora de Política da BBC, por volta das 15h, resumia de forma precisa o estado de convulsão em volta da liderança de May, já depois da sua intervenção na Câmara dos Comuns, em defesa das mudanças ao acordo. “Na última meia hora: um ministro disse-me que é o ‘fim da linha’ e que vai dizer isso à primeira-ministra; outro disse que ela não sobreviverá para além de segunda-feira; outro disse que ela tem de ficar no cargo, porque ‘não faz diferença’ sair agora ou daqui a umas semanas”, desfiou Laura Kuenssberg.
Não está aqui em causa sequer a continuação de May no cargo, mas apenas o timing da sua saída. Isto porque a primeira-ministra se comprometeu com os deputados conservadores, na semana passada, a abandonar a liderança do partido e do Governo depois da nova votação do acordo do “Brexit” no Parlamento. A aprovação ou rejeição do mesmo apenas influenciará a marcação do calendário com todos os passos para sua saída e para a organização da corrida à direcção dos tories.
Na sequência de (mais) uma reunião extraordinária do Comité 1922 – o grupo que reúne deputados conservadores sem cargos no Governo e que obteve de May a garantia de saída – o seu líder, Graham Brady, revelou que a primeira-ministra vai reunir-se com ele na sexta-feira. É esta, portanto, a data que jornalistas e analistas apontam para a possível demissão de May, na ressaca das eleições para o Parlamento Europeu.
Os últimos meses da política britânica já tinham deixado bem claro que as regras do jogo mudaram em Westminster e em Downing Street, e que uma proposta de lei sobre matéria fundamental, rotundamente rejeitada por três vezes pelos deputados, ou que a falta de apoios dentro de um Governo não são suficientes para fazer cair uma primeira-ministra.
Mas não deixa, ainda assim, de ser insólito que as eleições que Theresa May prometeu nunca realizar e para a qual nem sequer apresentou programa, funcionem agora, como desculpa para não se demitir imediatamente. Um balão de oxigénio carregado de ironia que lhe dá, pelo menos, mais 36 horas. Até sair pela porta pequena, sem cumprir a sua missão: retirar o Reino Unido da União Europeia.