Bruno Lage e o valor de uma conquista
O sucesso de uns só encontra o mérito devido no espelho do sucesso dos outros.
É o homem do momento. Desde Janeiro que Bruno Lage teve de acostumar-se a andar nas bocas do mundo, primeiro pelo simples facto de, da noite para o dia, ter assumido o comando técnico do Benfica, depois pela simples razão de, da noite para o dia, ter levantado a equipa do chão. Semana após semana, o balão do reconhecimento foi enchendo até o próprio treinador o esvaziar discretamente, já no palco montado no Marquês de Pombal. Como? Com um discurso que, a bem do futebol, se recomenda que seja válido também para o futuro.
Vamos deixar de lado o apelo de Lage a uma participação cívica mais activa dos adeptos para nos concentrarmos no elogio aos rivais. “Há que dar mérito a quem ganha e quando os nossos adversários ganharem, também lhes dar mérito”, enunciou, na esperança de que se inicie um ciclo de salutar reciprocidade capaz de se sobrepor ao pântano gerado pela estratégia de comunicação dos clubes.
É bem mais fácil ser magnânino na hora da vitória, mas é justo reconhecer que a visão do setubalense não é de agora. Basta recuarmos a Abril para detectarmos tiradas como esta: “Para já, é importante começar a dizer o nome dos nossos adversários, o Sporting, o FC Porto, o Sp. Braga, tratá-los pelo nome. E depois reconhecer-lhes competência. Ao reconhecer os pontos fortes do adversários não estou a fragilizar aquilo que é meu”. Não poderia estar mais de acordo. Até porque o sucesso de uns só encontra o valor devido no espelho do mérito dos outros.
Dentro e fora de portas, é conveniente que se alargue o uso do nós em detrimento do eu. Bruno Lage fê-lo no auge da festa, repartindo os créditos de um título improvável pela lealdade dos adeptos, pelo trabalho dos jogadores, pela visão do presidente e pelo respaldo da estrutura. Falsa modéstia? Não. Consciência clara de quem sabe que ninguém ganha sozinho e que a influência de um estratega tem o exacto alcance da vontade dos seus comandados.
Mas qual é o preciso valor de uma conquista? E quanto tempo dura? Como é possível celebrá-la ignorando o contributo das demais forças motrizes de um negócio que todos os anos resvala para a autofagia? Acima de tudo o resto, esse momento supremo de comunhão deveria servir para celebrar a competência própria, naturalmente, mas também a qualidade do trabalho dos adversários, porque é essa a mola impulsionadora de toda a evolução.
Numa sociedade obcecada pelos resultados, o processo é quase sempre desvalorizado. Mas o sucesso duradouro não é (não pode ser) fruto do acaso, de um momento de inspiração, de uma bola que embateu no ferro e derivou para dentro da baliza. Se, depois de trepar sem rede de segurança até ao topo da montanha, o Benfica tivesse escorregado no último momento, quantos estariam agora a aplaudir a metodologia e o ideário de Bruno Lage? E quantos o lançariam às feras, apontando o dedo à gestão do plantel enquanto duraram as restantes frentes competitivas?
Em entrevista ao jornal Marca, o treinador do Betis nas duas últimas épocas pôs o dedo na ferida: “Parece que não há interesse por mais nada que não seja ganhar. Estamos a transmitir aos nossos filhos que se não ganharem, não são válidos. E estamos a criar uma quantidade tremenda de fracassados. Não há que valorizar tanto a vitória porque só um a consegue, todos os outros perdem”, considera Quique Setién, acrescentando: “Há que valorizar o esforço, como se gerem os recursos disponíveis, a verdade”.
A verdade, sim. Que se sobrepõe à matemática das contas. A verdade que atesta que Bruno Lage não deixará de ser competente quando chegar o momento das derrotas. Que Sérgio Conceição não perdeu qualidades de um ano para o outro, depois de ter reconstruído o FC Porto de raiz (com os 85 pontos que somou nesta Liga, teria sido campeão na época passada), que Marcel Keizer não desaprendeu no momento em que o Sporting baixou de rendimento. A verdade que nos diz que nada, senão a morte, é certo nesta vida. Nem mesmo as rivalidades bacocas.