Juiz ordena a Trump que entregue registos financeiros ao Congresso

Tribunal diz que o Presidente norte-americano está a agir como James Buchanan, considerado um dos piores Presidentes da História dos EUA. Casa Branca proíbe antigo advogado de prestar depoimento no Congresso.

Foto
Donald Trump criticou a decisão e diz que só podia ter sido tomada por "um juiz de Obama" Reuters/CARLOS BARRIA

Um juiz norte-americano decidiu que o Presidente dos EUA, Donald Trump, tem de entregar ao Congresso todos os registos das suas actividades financeiras. É a primeira decisão numa longa batalha nos tribunais, entre a Casa Branca e a maioria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes, que pode redefinir o equilíbrio de poder no país nos próximos anos.

Em causa está um pedido da Comissão de Supervisão da câmara baixa do Congresso norte-americano, onde o Partido Democrata passou a estar em maioria após as eleições de Novembro de 2018.

Na campanha para essas eleições, os candidatos democratas prometeram reabrir investigações que foram encerradas pela anterior maioria do Partido Republicano, e abrir novas investigações, sobre a suspeita de obstrução da Justiça pelo Presidente Donald Trump.

Essa acusação surgiu quando Trump e muitos dos seus conselheiros e familiares estavam a ser investigados por suspeitas de que se tinham alinhado com o Governo russo para prejudicar a candidata do Partido Democrata nas eleições presidenciais de 2016, Hillary Clinton.

O responsável por essa investigação, o antigo director do FBI Robert Mueller, entregou o seu relatório final em Março e não sugeriu ao Departamento de Justiça que o Presidente Trump fosse acusado formalmente de qualquer crime. Mas, apesar de afirmar que não encontrou provas de conspiração com a Rússia, Mueller disse que não podia exonerar totalmente o Presidente norte-americano da suspeita de obstrução da Justiça para travar a investigação – para muitos analistas, essa indecisão do procurador especial deu legitimidade ao Congresso para levar até ao fim a sua própria investigação.

Para que Trump pudesse ser acusado de conluio com a Rússia e obstrução da Justiça, a investigação de Robert Mueller teria de descobrir provas que resistissem ao teste dos tribunais comuns. Mas isso não acontece no caso das investigações do Congresso, que são políticas e, por isso, dependem mais da capacidade dos congressistas para convencerem a opinião pública de que o Presidente se comportou de forma contrária aos interesses do país.

Como o Presidente Trump considerou que a investigação de Robert Mueller o exonerou de todas as suspeitas (apesar de o procurador especial ter dito outra coisa no seu relatório), e o Partido Democrata considerou que essa investigação ainda lançava mais dúvidas, as duas partes foram para os tribunais – a Casa Branca recusa-se a colaborar com o Congresso nas suas investigações, e o Congresso afirma que tem poderes para supervisionar a actuação do Presidente.

Trump como Buchanan

A primeira decisão nessa batalha nos tribunais chegou na noite de segunda-feira. Um juiz federal do Distrito de Colúmbia, Amit P. Mehta, decidiu que o Presidente Trump tem mesmo de entregar ao Congresso os seus registos financeiros, em resposta a uma ordem enviada à empresa de contabilidade Mazars USA.

Numa decisão explicada em 41 páginas, Mehta começa por comparar Trump ao antigo Presidente norte-americano James Buchanan, visto como um dos piores da História dos EUA.

Durante a sua passagem pela Casa Branca, entre 1857 e 1861, Buchanan acusou o Congresso de subverter “a independência constitucional do poder executivo” ao querer investigá-lo por suspeitas de exercer a sua influência por “meios impróprios”. “Cerca de 160 anos depois, o Presidente Donald J. Trump recuperou a luta do seu antecessor”, diz o juiz.

“Não faz sentido que a Constituição que dá ao Congresso o poder para destituir um Presidente por motivos que incluem um comportamento criminoso negue ao mesmo Congresso o poder para o investigar por conduta ilegal – no passado ou no presente –, mesmo sem abrir antes um processo de destituição”, afirma Amit P. Mehta.

Em resposta, o Presidente Trump disse que a decisão do juiz é “louca”: “Achamos que é uma decisão totalmente errada, obviamente tomada por um juiz nomeado por Obama”, disse Trump.

A Casa Branca vai recorrer da decisão, mas o caso poderá chegar ao Supremo Tribunal e influenciar as eleições presidenciais de Novembro de 2020. Se isso acontecer, os juízes do Supremo terão de avaliar a relação de poder entre o Congresso e a Casa Branca. E, com isso, reafirmar a ideia de que o poder legislativo tem um vasto poder de supervisão sobre os Presidentes, como aconteceu nos casos do escândalo de Watergate, na década de 70, e na investigação sobre o Presidente Bill Clinton, na década de 90; ou estabelecer que esse poder é muito limitado, o que terá implicações para a forma como os futuros Presidentes norte-americanos podem desempenhar as suas funções.

Esta quarta-feira, um outro juiz federal, neste caso em Manhattan, vai decidir se Trump deve também entregar ao Congresso os registos das suas contas no Deutsche Bank e no Capital One, a pedido da Comissão de Assuntos Financeiros da Câmara dos Representantes.

Casa Branca trava advogado

O conflito desta semana entre o Congresso e a Casa Branca começou ainda antes da decisão do juiz do Distrito de Colúmbia.

Horas antes, na segunda-feira, o Departamento de Justiça norte-americano publicou um parecer jurídico em que proíbe o antigo advogado oficial da Casa Branca Donald McGahn de prestar declarações no Congresso. Segundo o parecer, os conselheiros mais importantes da Casa Branca são imunes às intimações do Congresso, para que os Presidentes possam exercer as suas funções sem temerem a divulgação de segredos de Estado no futuro.

Essa decisão do Departamento de Justiça também deverá ser contestada pelo Partido Democrata nos tribunais, e o Congresso prepara-se para acusar McGahn de desobediência.

A maioria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes queria ouvir o advogado esta terça-feira. McGahn colaborou com as investigações sobre as suspeitas de conluio entre a campanha de Trump e a Rússia, e nessas conversas disse que o Presidente lhe pediu para despedir o procurador especial Robert Mueller.

McGahn disse que se recusou a cumprir essa ordem e que ameaçou demitir-se. O advogado viria a sair da Casa Branca em Outubro de 2018, já depois de ter falado com os investigadores da equipa de Robert Mueller durante 30 horas.

Segundo os jornais The New York Times e The Wall Street Journal, depois da divulgação do relatório final do procurador Mueller, em Março, o Presidente Trump pediu a McGahn que afirmasse publicamente que ele não tinha tentado obstruir a Justiça. O advogado disse que também se recusou a fazer esse desmentido.

Sugerir correcção
Ler 29 comentários