Fundador da Huawei fala num “conflito inevitável” e diz que EUA subestimaram gigante chinesa
Washington suspendeu sanções por 90 dias, Ren Zhengfei desvaloriza porque a Huawei “está preparada”. Estão em jogo 70 mil milhões de dólares.
O fundador da Huawei, Ren Zhengfei, não ficou surpreendido com a inclusão da sua empresa numa lista de entidades proibidas de fazer negócios com empresas norte-americanas. “Temos sacrificado [os interesses de] pessoas e de famílias em nome de um ideal, o de sermos os líderes mundiais. Por causa desse objectivo, um conflito com os EUA seria inevitável, mais cedo ou mais tarde”, declarou.
A Huawei e 68 subsidiárias foram incluídas numa “lista negra” de empresas que só podem comprar ou vender bens e serviços a empresas norte-americanas mediante autorização do governo norte-americano. Mas Washington deu com uma mão o que tirou com a outra. E na segunda-feira à noite publicou um despacho, via Departamento de Comércio, que suspende por 90 dias os efeitos da inscrição do grupo Huawei nessa “lista negra”. Portanto, na prática, pouco mudará nos próximos três meses.
Para o homem que fundou a empresa de Shenzen em 1987, nem o afastamento da Huawei, nem a decisão que temporariamente suspende essa “sanção”, têm qualquer relevância. A leitura chinesa dos acontecimentos continua a ser a de que tudo isto faz parte de uma guerra comercial dos EUA contra a China. E de que o avanço da Huawei no desenvolvimento tecnológico face à concorrência cria “ansiedades" na Casa Branca. Mesmo no Ocidente, há quem não tenha dúvidas: o confronto com a Huawei é uma “guerra fria tecnológica".
Ren Zhengfei entende que a Huawei está protegida pelo atraso da concorrência no desenvolvimento da quinta geração móvel (5G). E sustenta que os norte-americanos precisariam de dois ou três anos para recuperar. Ren vendia centrais telefónicas internas (PBX) produzidas em Hong Kong quando fundou a empresa, em 1987. Três décadas depois, é dono do segundo maior fabricante de telemóveis do mundo e do maior construtor mundial de infra-estruturas de telecomunicações. “Os políticos dos EUA têm subestimado a Huawei”, critica.
Além disso, diz que a empresa “está preparada” para as restrições, porque pode substituir os fornecedores norte-americanos rapidamente, pelo que a moratória de três meses tem pouco impacto.
Anos de preparação
A empresa-mãe do Google, a Alphabet, foi das primeiras tecnológicas norte-americanas a fazerem saber que iria cortar relações comerciais com a Huawei para respeitar a “lista negra”. Isso obrigaria a rever o acesso dos clientes Huawei a serviços como o Gmail ou YouTube, bem como às actualizações do sistema operativo Android, que equipa os smartphones desta marca fora da China. Outras empresas como a Intel e a Qualcomm anunciaram, depois disso, que deixariam de fornecer processadores ao fabricante chinês.
Ren Zhengfei garante que não quer abrir mão do hardware norte-americano, mas alerta que a Huawei tem alternativas. Antevendo que poderia haver conflitos com os EUA, a Huawei investiu nos últimos anos num sistema operativo próprio e, mais importante ainda, verticalizou a produção.
No caso dos processadores, detém a HiSilicon, que produz chips para smartphones e servidores e, por essa via, “assegura a segurança estratégica para a maioria dos produtos da empresa e o fornecimento contínuo" à Huawei, diz o fundador.
Teresa He Tingbo, presidente da HiSilicon garantiu isso mesmo, numa mensagem enviada aos trabalhadores e divulgada nas últimas horas pelo jornal South China Morning Post (um jornal que é da Alibaba, um gigante tecnológico chinês, líder no comércio electrónico, com interesse directo na guerra EUA-China). Nessa mensagem, Teresa He Tingbo salienta que a HiSilicon se preparou ao longo dos últimos anos para lidar com este cenário, em que os EUA cortam o acesso da Huawei à tecnologia norte-americana.
Questionado pela estação televisiva chinesa CCTV sobre a duração deste conflito, o fundador da Huawei respondeu que a pergunta deve ser dirigida ao presidente dos EUA, Donald Trump. “A culpa é dos políticos dos EUA, não das empresas”, frisa.
O mundo empresarial norte-americano pode estar a fazer contas à vida dada a ameaça de exclusão do grupo Huawei. Em causa está um mercado de componentes que vale 70 mil milhões de dólares (63 mil milhões de euros por ano, cerca de um quarto do Produto Interno Bruto português).
A onda de choque afectaria a indústria mundial que integra a cadeia de fornecimento da Huawei. Isso mesmo foi realçado pelo ministro das Finanças nipónico, Taro Aso, quando aludiu às “empresas japonesas que fornecem a Huawei”. “As cadeias de fornecimento estão interligadas de forma complexa”, sublinhou.