Ministros da extrema-direita abandonam o Governo e adensam a crise política na Áustria
Chanceler propôs demissão do ministro do Interior porque há uma investigação em curso ao seu partido. Caso mostra os limites de cooperação com a extrema-direita.
O chanceler austríaco Sebastian Kurz (do Partido Popular, ÖVP) anunciou esta segunda-feira o afastamento do ministro do Interior, Herbert Kickl, o mais controverso ministro do partido de extrema-direita FPÖ (Partido da Liberdade) na sequência do escândalo provocado com a divulgação de um vídeo do vice-chanceler Heinz-Christian Strache, em que este combinava uma série de negócios ilícitos de financiamento do FPÖ, a compra de um jornal e contratos públicos inflaccionados para a suposta sobrinha de um oligarca russo.
Kurz tinha sido criticado pelo tempo que demorou a reagir ao vídeo, divulgado na sexta-feira à noite. Sábado ao início da tarde, Strache demitiu-se. E ao fim da tarde, Kurz deu como terminada a coligação entre o centro e a extrema-direita e pediu eleições antecipadas, que se espera que sejam marcadas para Setembro.
Para já, os efeitos nas sondagens para as europeias foram uma subida de 4 pontos percentuais do partido de Kurz, que está agora com 38%, e a descida do FPÖ, que cai de 24 para 18%. Os sociais-democratas passam a segundo com 26%, subindo um ponto percentual.
Apesar do fim formal da coligação que durava há 17 meses, manteve-se a questão sobre o futuro dos restantes ministros do FPÖ no Governo, especialmente do ministro do Interior. Isto porque parte do vídeo pode ser base para uma investigação criminal, já que Strache fez sugestões para contornar as restrições para o financiamento através de doações a clubes ou associações. O ministro Kickl era na altura secretário-geral do partido, e a sua continuação no cargo ameaçava agora a independência da investigação às finanças da formação de extrema-direita.
Herbert Kickl era ainda controverso porque supervisionava os serviços secretos internos, o que levou a que várias congéneres europeias tenham cortado a partilha de informações com a Áustria, por medo de ligações com a Rússia.
Depois do anúncio de Kurz, os ministros do partido (além do Interior, Transportes, Negócios Estrangeiros e Assuntos Sociais) demitiram-se em bloco, como tinham ameaçado fazer se o chanceler sugerisse a demissão de Kickl (tecnicamente, o Presidente é quem demite, a conselho do chanceler). Kurz disse que caso isso acontecesse, os cargos vagos seriam assegurados por especialistas e altos funcionários dos ministérios. O Governo fica assim constituído até à tomada de posse do próximo executivo, depois das eleições que devem ter lugar em Setembro.
O vídeo agora divulgado pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e pela revista Der Spiegel, provocou esta crise, foi filmado em 2017, antes da chegada do FPÖ ao Governo. Mostra Strache a negociar com uma suposta sobrinha de um oligarca russo a compra de um jornal austríaco e a substituição de jornalistas com a ideia de ter uns media como Viktor Orbán na Hungria, a falar de formas de a suposta sobrinha conseguir financiar o partido contornando as leis, e propondo em troca dar-lhe benesses em contratos públicos com qualquer empresa que criasse.
Não é claro quem levou a cabo esta elaborada armadilha numa vivenda em Ibiza, mas ambos os meios de comunicação, que receberam as imagens há pouco mais de uma semana, decidiram publicar excertos porque qualquer que fosse o interesse dos autores da armadilha, o que se passava no vídeo era demasiado grave.
Depois da divulgação do vídeo, milhares de austríacos manifestaram-se espontaneamente em frente à sede do Governo pedindo ao chanceler que não continuasse a coligação. “É a maior agitação política na Áustria desde 1955”, quando o país foi restabelecido como Estado soberano depois da II Guerra”, disse Hans Bürger, editor de política da estação pública ORF, citado pelo Financial Times.
Todos os olhos na Áustria
O director do tablóide Österreich pôs o dedo na ferida do sentimento de vergonha de muitos austríacos ao ver os truques e golpes baixos discutidos por Strache no vídeo: “Da Alemanha à Hungria, somos agora vistos como uma república das bananas”.
Os olhos de muitos na Europa estavam de facto sobre a Áustria. Entre os aliados do FPÖ, na Hungria os media pró-Orbán denunciaram um “golpe” contra a democracia da Áustria; em França Marine Le Pen defendeu Strache dizendo que mesmo que ele tivesse “errado”, as milhares de pessoas que votaram nele não desapareciam; e o italiano Matteo Salvini ficou calado.
O professor de política da Universidade de Salzburgo Reinhard Heinisch questionava no Twitter quais seriam as consequências para a potencial aliança de partidos nacionalistas de Salvini.
E para muitos, há uma lição a aprender por parte dos partidos do centro que sejam tentados a fazer coligações semelhantes. Como diz o editorial do diário francês Le Monde, “chegou a altura de os democratas europeus manterem distância destes partidos que se apresentam como soberanistas, mas que na verdade se aconselham em Moscovo, ou no Hotel Bristol, em Paris, onde está Steve Bannon, ideólogo de Donald Trump”.
“As implicações para o resto do continente são profundas”, escrevia no New York Times a especialista em extrema-direita na Europa Alina Polyakova. “Mostra que os extremistas não podem ser levados a ser moderados.”