Crónica de uma campanha boçal
Fazer campanha em 2019 como se fazia há 30 ou 40 anos é a primeira condição para que qualquer eleitor decente se afaste dos perigos da vulgaridade.
Entre a campanha “para pessoas concretas” prometida por Pedro Marques e a campanha para os “problemas concretos das pessoas” jurada por Marisa Matias pode haver muitas zonas cinzentas, mas tudo se torna claro e cristalino quando Paulo Rangel constata que o que está em curso é “uma campanha picadinha”. Estamos, portanto, neste ponto: numa campanha picadinha.
Que, entre vacuidades e diatribes, transforma um urgente debate sobre o Portugal europeu numa luta de galos onde a testosterona bate a inteligência, na qual a boçalidade substitui as ideias e os projectos, onde os ataques aos adversários contam mais do que qualquer debate sério e construtivo.
Os políticos em campanha ainda acham que os eleitores são uma cambada de mentecaptos mais preocupados em avaliar a sua arte para a guerrilha do que a sua capacidade para os convocar com lucidez e ambição. Terão o que merecem: desinteresse e, como notou Marisa Matias, abstenção.
Ninguém tinha ilusões que a campanha para as Europeias jamais poderia concentrar-se na complexidade ou nas tecnicalidades da União Bancária, da Política Comum de Segurança e Defesa, sobre o futuro da Política Agrícola Comum ou até sobre a bem mais básica questão dos fundos estruturais.
Mas pedia-se ao menos um pouco de esforço e meia dúzia de linhas básicas sobre os desafios que nos esperam neste projecto comum ameaçado internamente pelo vírus do nacionalismo e da xenofobia e externamente pelas pressões da Rússia, pela ascensão da China ou pelas fracturas crescentes na relação com os Estados Unidos.
Esperava-se que candidatos com a craveira intelectual de Paulo Rangel, a experiência de Pedro Marques, a aprendizagem de Marisa Matias ou de João Ferreira os levasse a sair da maré politiqueira e se dedicassem, ao menos, a fazer a apologia da ansiedade e a sensação de emergência que atravessa o continente.
Nada disso está a acontecer – e sim, em grande medida por culpa dos jornalistas. Se há quem esteja a dizer alguma coisa séria e interessante sobre temas europeus são candidatos de dois pequenos partidos (Rui Tavares e Ricardo Arroja), enquanto os rostos dos “grandes” se entretêm com acusações banais, palavras de ordem gastas e tropelias que podem dar soundbites nas TVs mas passam ao lado dos eleitores.
Fazer campanha em 2019 como se fazia há 30 ou 40 anos, algures entre o estilo matreiro, o golpe espertalhão e a provocação gratuita sobre se A consegue sair à rua, B é um candidato “fake” e C um politico virtual é a primeira condição para que qualquer eleitor decente se afaste dos perigos da vulgaridade. Quem trata os eleitores com crianças, quando não como imbecis, não merece outra coisa.