A obra não avançou e a maior ilhota do estuário do Tejo está a desaparecer

Reparação do dique do mouchão da Póvoa volta à estaca zero um ano depois de o ministro ter anunciado que iriam começar as obras. Projecto tem de ser refeito mas a ilha está cada vez mais submersa.

Foto
Pedro Cunha/arquivo

Mais de metade da maior ilhota do estuário do Tejo já está inundada e o rombo que está na origem do problema, detectado há 3 anos, não para aumentar. O mouchão da Póvoa, situado no sul do concelho de Vila Franca de Xira, corre mesmo o risco de desaparecer completamente. E o arranque das obras de reparação prometidas pelo Governo pode demorar ainda muitos meses, porque o processo teve que voltar praticamente à estaca zero.

Há exactamente um ano, em Maio de 2018, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, visitou a zona do rombo e anunciou a consignação de uma empreitada de reparação do dique e reabilitação do mouchão orçada em 1,2 milhões de euros. Os trabalhos deviam começar nos dias seguintes, mas nunca arrancaram, alegadamente porque a empresa empreiteira “descobriu” depois que o projecto já estava muito desfasado da realidade e que o rombo era muito maior do que os 200 metros previstos para reparar.

A notícia de mais este contratempo surgiu poucas semanas depois e, desde então, são frequentes as manifestações de preocupação de autarcas locais e de deputados de diferentes partidos. Mas o Ministério do Ambiente e da Transição Energética (MATE) admite, agora, em resposta ao PÚBLICO, que o processo desenvolvido pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) vai ter que voltar praticamente ao início. “Confirma-se a necessidade de ser elaborado novo projecto, de modo a definir uma nova solução técnica coerente com a situação actual, tendo por premissa que o esvaziamento da água da maré no mouchão, em cada ciclo, gera fortes correntes na zona do rombo, arrastando para fora do mouchão materiais constituintes do dique e dos terrenos envolventes”, explica o gabinete do ministro Matos Fernandes, reconhecendo que “a nova solução implica, para além do aumento das quantidades de trabalho para o aterro no interior do mouchão e para o fecho do rombo, a utilização de materiais de espécie diferente dos que foram contratados e também a adopção de um processo construtivo diferente do que foi previsto pelo empreiteiro na fase do concurso”.

Significa isto que, passado quase um ano sobre a constatação de que o projecto inicial já não servia, só agora é que está a ser preparado o lançamento de um novo concurso para um novo projecto de intervenção. Como a análise técnica no local não é fácil, devido às marés do Tejo e à necessidade de avaliar em profundidade os estragos existentes, é de prever que a elaboração do projecto demore, ainda, vários meses. Depois disso será necessário lançar um novo concurso para a obra, que já não deverá começar este ano.

O MATE admite que a actual situação “impõe uma avaliação financeira para adopção de um procedimento que conjugue os aspectos técnicos, económicos e legais, tendo por objectivo proceder ao tapamento do rombo, avaliação que se encontra em curso”. Certo é que, da própria cidade da Póvoa de Santa Iria (o mouchão dista escassas centenas de metros da margem ribeirinha da Póvoa) é bem visível o estado do mouchão que, em boa parte dos seus 1200 hectares, está reduzido a algumas cristas de terra que ainda resistem junto às extensas áreas inundadas. Com a perspectiva de mais um Inverno sem obras de reparação, a sobrevivência da ilhota está seriamente ameaçada.

O problema tem sido sucessivamente colocado em reuniões da Câmara de Vila Franca de Xira. Na última foi Mário Calado, vereador da CDU, a salientar que, “passados três anos, nada se alterou, nada aconteceu. Quase um ano depois da solução apresentada pelo senhor ministro do Ambiente, a situação só piorou, o rombo já chega às zonas a montante do mouchão”, observou, frisando que dos 80 a 90 metros do rombo inicial, a situação é, hoje, muito mais grave. “É uma situação insustentável. Quando é que irão acontecer efectivamente as obras?”, questionou o eleito da CDU.      

Alberto Mesquita, presidente da autarquia vila-franquense, reconhece que “é uma grande fatalidade” o que tem acontecido ao mouchão da Póvoa desde 2016 e considera que se poderia ter feito “algo de diferente” se as entidades responsáveis da administração central tivessem reagido mais cedo. “Lamento que tenha ainda que ser lançado um novo concurso para o projecto definitivo, porque o mouchão da Póvoa é extremamente importante para toda esta região em termos territoriais e ecológicos”, sustenta o autarca do PS.

Também os deputados Carlos Matias e Pedro Soares (Bloco de Esquerda) voltaram ao tema no passado mês de Abril, com uma nova pergunta dirigida ao ministro Matos Fernandes sobre esta matéria. “Em 2018, a APA decidiu, finalmente, avançar com a empreitada para reparar o rombo, financiando a mesma através do Fundo Ambiental. Contudo o empreiteiro a quem foi adjudicada a obra não aceitou fazê-la. Neste momento, o rombo e a situação dos diques já é muito mais grave do que no cenário que deu origem ao respectivo caderno de encargos”, afirmam os parlamentares do BE, vincando que não se pode aceitar “a destruição de milhares de hectares de solo arável, dos mais produtivos que temos em Portugal”.

Carlos Patrão, vereador do BE na Câmara de Vila Franca, refere mesmo que há informação de que os diques do mouchão da Póvoa já padecem de vários rombos e não apenas do inicial, detectado na Primavera de 2016. Os deputados Carlos Matias e Pedro Soares sublinham que “o mouchão é, neste momento, um lago”, porque a fenda tem vindo a aumentar, colocando em causa toda a estrutura que fixava os solos”.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários