Tchizé dos Santos recusa suspender o mandato de deputada como quer o MPLA
A filha de José Eduardo dos Santos está fora de Angola e já não vai ao Parlamento há mais de três meses. Em Londres, a deputada diz que está a ser perseguida e teme pela sua vida.
Tchizé dos Santos, uma das filhas do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, garante que não vai suspender o seu mandato de deputada por estar ausente do país, como lhe pediu o MPLA, porque se está fora é por temer pela sua liberdade e pela sua vida. “Eu estou fora involuntariamente, logo não vou assinar voluntariamente uma carta a pedir uma suspensão [do mandato]”, disse, acrescentando que só está no estrangeiro porque foi “empurrada, encurralada” com “ameaças e intimidações”. “Não vou assinar nada, porque ninguém pode ser coagido a ficar fora sob ameaça e depois ser coagido a assinar voluntariamente o pedido de suspensão.”
Num áudio enviado ao PÚBLICO, depois de ter sido solicitada a comentar a situação, Tchizé dos Santos chega a mostrar temor pela sua vida: “Se quiserem me matar, me matem, eu me entrego na mão de Deus, mas ninguém vai ficar a rir, João Lourenço não vai ficar a rir, o MPLA não vai ficar a rir.”
Com um dos irmãos, José Filomeno dos Santos (Zenú), alvo de dois processos judiciais (esteve preso até ao limite da prisão preventiva), outra irmã, Isabel dos Santos, alvo de outro processo (cujo inquérito preliminar já foi concluído), Tchizé dos Santos está fora de Angola (a viver em Londres) e há mais de três meses que não vai ao Parlamento, onde é deputada eleita pelo partido no poder, o MPLA. “Estou a ser alvo de perseguição política, que todo o mundo sabe que existe”, afirma Welwitschia José dos Santos, mais conhecida por “Tchizé”.
Esta semana recebeu uma carta do seu partido, datada de 7 de Maio, a que o PÚBLICO teve acesso, em que a direcção restrita do grupo parlamentar lhe sugere que “peça a suspensão provisória do mandato”, visto que Tchizé dos Santos “já ultrapassou os 90 dias que a lei permite” para estar ausente dos trabalhos da Assembleia Nacional.
Garantindo estar a ser perseguida e vítima da luta dentro do partido entre os seguidores do ex-chefe de Estado e os apoiantes do actual, Tchizé dos Santos avisa: “Se o MPLA decidir ou as pessoas da bófia [sic] decidirem usar meios menos ortodoxos para se livrarem de mim, estão mal, porque os meus advogados já têm tudo na mão, os meus contabilistas já têm tudo na mão, os ingleses têm a minha vida financeira toda na mão – acabei de pagar impostos aqui, declarar tudo o que eu tenho, justificar a proveniência de tudo – e esta gente aqui não vai brincar, não vão deixar isto em branco.”
A deputada do MPLA faz ainda uma referência aos anos de política do pai, que esteve 39 anos no poder em Angola, dando a entender que este ainda tem cartas para jogar no confronto com o seu sucessor e opositor dentro do partido. “Não tenho um pai que seja tão ingénuo assim, é uma pessoa que está na política há mais tempo que o camarada João Lourenço e também não é parvo”, diz.
"Nem todo o rico roubou"
Tchizé dos Santos afirma-se “vítima” de perseguições (“Eu estou a ser perseguida”), citando nomes de jornalistas e órgãos de comunicação social (em Angola e Portugal) que, financiados por interesses dentro do MPLA, “há mais de dez anos” que inventam “calúnias, difamações” com “notícias fabricadas”.
“Nem todo o mundo que consegue montar um negócio, cuja empresa presta serviço a um Estado e é paga, rouba. Nem todo o rico roubou”, indigna-se Tchizé dos Santos. A deputada refere que as denúncias nos jornais levaram o Departamento Central de Investigação e Acção Penal português (DCIAP) a “abrir um processo”. “Andei a ser investigada estes anos todos, pelo menos desde 2012, que eu saiba; se eu fosse uma malandra, uma bandida, uma gatuna, Portugal não tinha dado conta?”, questiona indignada a deputada.
Criticando o facto de uma conversa particular com o deputado João Pinto, do seu partido, sobre a suspensão do mandato, estar a circular sem o seu consentimento na Internet, Tchizé dos Santos enviou os ficheiros áudio dessa conversa ao PÚBLICO, para divulgação, agora, sim, por sua livre vontade.
“O limite de 90 dias fora do país foi ultrapassado porque estou aqui fora fugida”, garante Tchizé dos Santos. “Desde que raptaram dentro de um avião, em território internacional, um deputado” que a filha de José Eduardo dos Santos teme que lhe possa vir a suceder o mesmo, que volte para Angola e já não consiga sair. O caso a que se refere é o do antigo ministro da Comunicação Social Manuel António Rabelais, impedido de sair de Angola a 24 de Janeiro quando se preparava para embarcar num avião.
“Eu estou numa lista, se for para o país, não saio mais, vão apreender-me o passaporte”, explica na conversa com João Pinto. “Violam as normas básicas do Estado democrático e de direito, violam a Constituição e eu, mãe de crianças, é que me vou sentir em segurança para voltar ao país?”, pergunta.
“Prenderam o meu irmão, prenderam o outro sócio [Jean-Claude Bastos de Morais], que, como era estrangeiro e teve as autoridades do seu país a pressionar, conseguiu viajar, prenderam o Norberto Garcia [antigo porta-voz do MPLA]”, refere. “E eu, com tanta intimidação, com tantas ameaças, até do presidente do grupo parlamentar [do MPLA, Américo Cuononoca], vou para Angola fazer o quê?”
“Quando foi preso o Zenú, toda a gente sabia o que estava a acontecer”, afirma Tchizé dos Santos. E deixa o repto: “Se o MPLA quer que isso se saiba, vamos a público, vamos oficializar essa crise política.”
MPLA estranha posição
O porta-voz do MPLA, o deputado Paulo Pombolo, desconhece a existência de perseguições políticas, estranha a posição de Tchizé dos Santos e, mais ainda, não percebe como a deputada resolveu discutir esta questão na comunicação social, em vez de recorrer aos órgãos do partido.
“O MPLA desconhece esses problemas, se não são devidamente fundamentados. Quando a deputada diz que está a ser perseguida, não foi essa a razão apresentada para se ausentar do país. Na carta que dirigiu ao presidente do grupo parlamentar, fundamentou o pedido com razões de saúde dos filhos. Quando agora apresenta outra razão para não voltar, não compreendemos”, afirmou ao PÚBLICO.
“Não tenho matéria fundamentada para aferir se a nossa colega está sendo perseguida. Perseguida por quem?”, pergunta Pombolo. Além do mais, acrescenta, esse não é um argumento que “possa ser invocado num processo deste tipo”, que é uma questão estatutária de funcionamento da Assembleia Nacional.
O antigo governador do Uíge explica ainda que a carta enviada à deputada está fundamentada no estatuto do deputado: Tchizé dos Santos está há mais de 90 dias ausente do país, como tal terá de pedir a suspensão do mandato até regressar a Angola, altura em que poderá “retomar o seu lugar na Assembleia Nacional”, para o qual foi eleita em 2017.
“Ela é uma deputada, militante do MPLA e membro da direcção central do partido, não é uma militante de base.” Portanto, “o normal seria receber a carta, avaliar o conteúdo e responder oficialmente ao órgão do partido e não pela comunicação social”, estranha Pombolo.
“Não é uma injustiça”, sublinha, “há regras que se devem respeitar.” Quem “não suspende o mandato não pode continuar um, dois anos fora e manter-se como deputado”, refere o porta-voz do MPLA, sublinhando que “o grupo parlamentar não pode ser beliscado”, ficando com menos um membro por tempo indefinido.