Martinho da Vila volta aos coliseus e traz a bandeira do optimismo
Aos 81 anos de vida, 50 de carreira, o sambista gravou Bandeira da Fé para se mostrar crente no futuro, apesar de o Brasil estar “muito confuso”. Portugal vai recebê-lo esta sexta-feira no Coliseu do Porto e domingo no de Lisboa.
Com 81 anos feitos em 12 de Fevereiro e 50 de carreira já contados, o popular sambista Martinho da Vila mantém uma jovialidade impressionante, em disco e nos palcos. Gravou Bandeira da Fé, que será talvez o seu último disco porque agora “tudo é digital”, e apresenta-se nos coliseus de Lisboa e Porto – primeiro a norte, esta sexta-feira, às 22h, e depois a sul, domingo 12 de Maio, à mesma hora. “O show é baseado nesse disco”, diz ao PÚBLICO, por telefone, “mas permeado por outros temas da carreira. Fiz um roteiro que permite botar umas coisas românticas, outros grandes sucessos.”
No Brasil, segundo ele, o disco foi muito bem recebido. “Aqui o pessoal gosta muito, teve boas críticas na imprensa, a gravadora está contente.” A capa foi desenhada por Elifas Andreato, como tantos outros que ele já gravou (“É o meu capista preferido”), e o facto de Martinho da Vila ter afirmado que iria ser o último tem uma explicação que nada tem a ver com cansaço. “Hoje em dia, o disco físico não está circulando muito. Tudo é digital. Antigamente havia lojas de discos em todos os bairros, mas hoje no Brasil já há pouco lugares com discos à venda. A minha mulher comprou um carro novo e já não tem leitor de CD. Então, o mais indicado é gravar uma ou duas faixas, fazer um clipe e botar nas plataformas digitais.” Mas ainda aceitou gravar este. “Porque gosto muito do estúdio, essa coisa de gravar eu gosto.”
Fado sobre brasileiros
Bandeira da Fé começa com O rei dos carnavais. “É um tipo de samba, o samba de breque, criado por um compositor chamado Moreira da Silva. É um pouco uma homenagem ao Moreira e também ao samba, porque ele conta a história do samba de uma maneira directa.” Vem, a seguir, Depois não sei, tema que ele já gravara em 1981, e que é uma reflexão sobre a morte: “Fiquei adulto/ Já estou maduro/ Fui muito amado/ E muito amei/ Se Deus quiser, eu vou/ Ficar bem velho/ A morte é certa/ Depois não sei.” Martinho: “Esse disco é comemorativo dos meus 50 anos de carreira e dos meus 80 anos também. E a gente com essa idade começa a pensar um pouco no futuro. Essa música aborda bem essa ideia.”
Como não podia deixar de ser, há um fado, mas desta vez inteiramente composto por ele. “Eu já gravei alguns ao meu jeito, mas nunca tinha criado um. Este é o primeiro, meio abrasileirado.” É o Fado das perguntas, que fala da realidade dos brasileiros em Portugal: “Imagino que estejam bem. Portugal é um país muito bom, se eu tivesse que viver fora do Brasil era para aí que eu iria. Eu tenho um amigo que foi para Portugal e estava pensando levar a família. Um dia ele me disse que estava gostando muito, mas tinha dois problemas: a saudade da família, da mulher; e o frio, em determinados períodos.”
O disco também refere lugares ligados à sua vida, em canções como Ó que saudade (lembrando Duas Barras, no Rio de Janeiro, onde nasceu em 1938) e Minha nova namorada (dedicada à Barra da Tijuca, onde mora agora). “Este disco é quase todo ele voltado para a reflexão: sobre o samba, sobre a vida, por aí.” Há também uma canção dedicada à condição feminina (Ser mulher, com a jornalista Gloria Maria como convidada especial) e evocações da negritude, em O sonho continua (lembrando Martin Luther King, com Rappin’ Hood, misturando samba e rap) e Zumbi dos palmares (“um símbolo de liberdade, que é uma filosofia de vida: lutar pela liberdade, sempre, em todos os sentidos”).
“As coisas vão melhorar”
Tudo isto nos conduz ao tema-título, Bandeira da fé, e a Não digo amém, duas canções que se ajustam ao Brasil de hoje. “Bandeira da fé foi feita há muitos anos”, diz Martinho (é uma parceria dele próprio com Zé Katimba). “Quem a lançou foi um cantor chamado Agepê, em 1984, no final da ditadura, no ano do movimento Diretas Já!. Agora estamos vivendo um momento também assim meio preocupante, no Brasil. E o Não digo amém quer dizer isso mesmo: que não digo amém pra tudo.” Martinho evita ser mais específico, dizendo que tirou “férias de assuntos políticos”, mas isso não o impede de avaliar o Brasil no seu todo: “Nós estamos num momento de transição, está tudo muito indefinido, muito confuso.” E, como sempre, mostra-se optimista. “Os optimistas, os positivistas, foram os que fizeram as mudanças no mundo. Os pessimistas não, são figuras apagadas. O optimista sempre acredita que vai dar certo, que tem solução. E isto vale para tudo. Por exemplo, numa partida de futebol. Eu sou [do] Vasco da Gama; o Vasco anda mal; mas se for para um jogo pensando ‘não vai dar certo, a gente vai perder’, com certeza a gente perde.”
Se abre com samba, o disco fecha também com um samba, que começa por ser uma homenagem ao frevo pernambucano (com participação especial de Tunico da Vila, filho de Martinho): “É um frevo que na segunda parte, se observarem bem, vira um samba. Fiz isso para um desfile da Vila Isabel, mas não foi para a avenida. E também se insere no conceito do disco: que as coisas vão melhorar!”
Com Martinho da Vila (voz) estarão em Portugal Gabriel de Aquino (violão), Alan Monteiro (cavaco), João Rafael (baixo), Gabriel Policarpo, Bernardo Aguiar (percussão), bem como as filhas do cantor Maíra (teclado e voz) e Juliana (vocal). “Vou tentar fazer o que é mais difícil num espectáculo”, diz Martinho: “Emocionar, a ponto de algumas pessoas irem às lágrimas, e ao mesmo tempo ver outras felizes, sorrindo. Com a intenção de que o público saia da sala mais feliz do que entrou.”