Bernard Henri-Lévy: “É a primeira vez que temos um tempo sem esperança e isso é mortal”
Em Lisboa, onde apresentou o monólogo teatral Looking for Europe, o filósofo francês elogiou o Portugal exemplar, “poupado ao populismo” que ameaça o continente.
No centro do palco, uma mesa, de um lado uma cama, do outro uma banheira, iluminadas por três focos de luz. O filósofo entra, caminhando lentamente. Gesticulando, descalço, de fato preto e camisa branca aberta até meio do peito, vai deambular por este quarto de hotel recriado no palco do Teatro Tivoli, em Lisboa, tentando preparar uma conferência que terá que apresentar dali a pouco em Sarajevo, “aos amigos de Sarajevo”.
Tem uma forte dor de cabeça e uma dor ainda maior na alma, percebemos. Lamentará o “terceiro suicídio da Europa” e confessará, a certa altura, não ter nada para dizer. Apesar disso, falará sem parar durante mais de uma hora e meia, num texto carregado de referências históricas, literárias, filosóficas e com um ou outro momento de humor – como as interrupções para ler as mensagens que lhe chegam ao telefone, uma forma de a actualidade entrar neste one-man show (o que também vale um elogio a António Costa a pretexto da recente crise política que levou à ameaça de demissão do Governo).
Looking for Europe é a peça que o filósofo francês Bernard Henri-Lévy (BHL) apresentou na noite de segunda-feira em Lisboa (depois de ter sido recebido pelo primeiro-ministro e pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa), uma das duas dezenas de capitais deste seu périplo nas semanas que antecedem as eleições europeias.
O texto, adaptado a cada país – e em Portugal as citações a factos e personalidades nacionais foram muitas –, pretende ser um grito de alerta para o que Lévy vê como a actual tragédia da Europa: o regresso do ódio, o avanço do populismo. “O ódio que volta em todo o lado, excepto em Portugal, começou aqui, em Sarajevo.”
Hora e meia, talvez um pouco mais, num quarto de hotel entre Sarajevo e Lisboa, como se o futuro da Europa se desenhasse algures entre as duas cidades, a primeira, símbolo da anunciada tragédia europeia, a segunda, vista aqui como farol de uma esperança que BHL, com a sua incontestável autoconfiança, assume sem receio do ridículo (que é claramente um risco), entre referências que vão de Aristides Sousa Mendes (com direito a aplauso da assistência) a Fernando Pessoa e António Lobo Antunes, passando por “Don Mário 1º”, Soares, claro, e por Otelo Saraiva de Carvalho, esse militar com “traços de actor de Hollywood” e “cujo nome remetia para uma mistura de fantasia e sonho de uma noite de Verão”.
O filósofo regressa às memórias dos Verões de 74 e 75, que viveu em Portugal – “os fantasmas portugueses da minha própria e revolucionária juventude” –, onde fez amigos entre os Capitães de Abril, que convocou agora para assistirem a esta sua defesa do espírito europeu em tempos de desesperança – entre erros do passado e do presente, entre Auschwitz e os clandestinos afogados nas costas de Lampedusa, “esse símbolo da cobardia da Europa”, nada escapa, da Grã-Bretanha do “Brexit", “que vai fazer tudo o que pode para se tornar na Pequena Inglaterra”, aos “coletes amarelos” franceses, à Itália de Salvini ou à Hungria de Orbán.
No final, quem conseguisse ultrapassar a segurança apertadíssima (que já se tornara desnecessariamente evidente à entrada) poderia chegar a BHL que, no camarim, recebia os parabéns de várias pessoas. Quando descemos para uma curtíssima conversa, cruzamo-nos com Vasco Lourenço e, uns segundos depois, com António Lobo Antunes, que estão de saída.
“Oásis de tranquilidade política”
Não, diz-nos Bernard-Henri Lévy, não lhe parece que a sua visão de Portugal seja demasiado optimista. “Quando comparo a situação de Portugal à do conjunto da Europa, penso que vocês estão num oásis de tranquilidade política, o que é paradoxal para o país do escritor que inventou o desassossego.” Esta excepção portuguesa que tanto alimenta o optimismo do escritor e filósofo pode explicar-se pelo 25 de Abril. “É uma revolução que correu bem, a única no século XX.”
E, no entanto, perante aquilo a que assistimos em todo o resto da Europa, acredita que “é preciso alertar os lisboetas para o facto de que tudo é possível”. Lembra que na peça faz referência a “André Ventura [do Chega], que por enquanto não representa nada”, e insiste: “Há dois anos o [partido espanhol] Vox também não era nada e há 25 anos a Frente Nacional [francesa] também não.”
BHL vai adaptando o texto a cada cidade onde apresenta Looking for Europe, e tem sido frequentemente mais feroz. “Há pessoas que rangem os dentes, mas nem sempre, há também as que concordam comigo. Na República Checa fui muito crítico, na Hungria perguntei como é possível este grande país dar origem a esta miséria política que é Viktor Orbán.”
A Europa “sucumbe a uma avalanche de mediocridade”, dissera no palco. Perguntamos-lhe se não existem razões, que seria importante perceber, para esse mal-estar. “Creio que há razões políticas e razões metafísicas para o crescimento do populismo. Penso que entrámos noutra concepção do tempo. É a primeira vez que temos um tempo sem esperança, e isso é mortal.”
No final da conversa, reitera a razão pela qual aqui está: “Acredito que sem a Europa a vida das pessoas será pior. Creio que se a Europa explodir, o que é uma hipótese hoje, caminharemos para maior miséria, maior caos social, mais desemprego, uma vida pior para as pessoas.”
Por isso, a peça termina com um apelo: “Venham, por favor, todos juntos contra os assassinos da esperança.” E, num cruzamento entre a sua memória romântica do Portugal de 1974 e o desalento que sente perante os dias de hoje, despede-se do seu monólogo lançando aquela que é, aos seus olhos, a palavra de ordem possível: “A Europa unida jamais será vencida”.