A aldeia modelo que Salazar criou e Paredes de Coura quer guardar como museu vivo
A antiga colónia agrícola de Vascões é a última de sete que alteraram a paisagem rural portuguesa na década de 50. O modelo de reestruturação agrária do país foi criado por decreto, em 1948, durante o Estado Novo, e replicado no Norte e Centro do país.
A antiga colónia agrícola de Vascões, que Salazar mandou moldar na paisagem rural de Chã de Lamas nos anos 50, é um exemplar do modernismo português que Paredes de Coura quer guardar como um museu vivo.
A última de sete colónias agrícolas que mudaram a paisagem rural de Portugal data do final da década de 50. O modelo de reestruturação agrária do país foi criado por decreto, em 1948, durante o Estado Novo, e replicado no Norte e Centro do país.
No Alto Minho, o plano inicial da Junta de Colonização Interna apontava para um total de mais de 672 hectares, abrangendo Arcos de Valdevez, Monção e Paredes de Coura, mas foi neste último concelho que o projecto avançou para o terreno. A colónia de São Martinho de Vascões, a mais de oito quilómetros do centro da vila de Paredes de Coura, ganhou vida em 1957, com a chegada dos colonos.
A ex-colónia situa-se em pleno núcleo megalítico de Chã de Lamas, constituído por duas mamoas. Aqueles vestígios “atestam a presença humana, na zona, desde sempre”. A Câmara que manter essa “memória” e tornar Vascões num “museu vivo da arquitectura, antropologia e etnografia” daquele período da história.
Aprovou uma Área de Reabilitação Urbana (ARU) para aquela zona rural, mas, diz o presidente da autarquia, Vítor Paulo Pereira, que o sucesso da preservação do conjunto habitacional “depende essencialmente dos proprietários”.
O autarca quer transformar Vascões num “centro de conhecimento e de atracção turística”, tendo na calha projectos de base agrícola, de reabilitação e valorização do sistema de regadio.
Em 1957, o objectivo passava por tornar os baldios improdutivos em terrenos agrícolas, fixando gente em zonas despovoadas.
Construíram-se 15 casas geminadas, uma escola primária e a casa do professor, equipamentos que, com a extinção da colónia, em 1998, deram lugar ao Centro de Educação e Interpretação Ambiental (CEIA), aberto desde 2007 para receber “naturais e visitantes” e divulgar a história da antiga colónia.
A experiência comunitária do Estado Novo era servida de água canalizada, tinha sistemas de combate a fogos e de rega dos campos. Ficou “parcialmente” instalada, não sendo construído o forno comunitário, a capela e posto médico.
O conjunto habitacional vislumbra-se do miradouro de Corno de Bico, um dos pontos mais altos de Paredes de Coura, em plena Área de Paisagem Protegida.
No casario, distribuído pelas ruas de Cima, do Meio, e de Baixo, espécie de condomínio que muitos apelidam de ‘kibutz’ à portuguesa, ainda permanecem 50 pessoas, sobretudo idosos.
Florinda Barbosa é das primeiras colonas vivas. Aos 87 anos relata a vida “dura e difícil” que iniciou com o marido. Na colónia, onde vive desde os 27 anos, nasceram-lhe oito dos nove filhos e da vida “muito dura” de lavradores destaca a alegria vivida em comunidade.
“Dávamo-nos todos bem. Nunca tive problemas com ninguém”, referiu, recordando como tudo começou.
O marido “inscreveu-se” e saiu-lhe em “sorteio” um “casal agrícola”, termo atribuído ao conjunto formado por uma “casa de habitação, dependências adequadas à exploração rural e terrenos suficientes para a mantença de uma família média de cultivadores”.
O Estado emprestava os móveis, as alfaias agrícolas, animais e dinheiro para o início da actividade. O casal tinha de pagar o quinhão, em géneros, “1/6 das colheitas”.
“Trabalhava-se muito. Era muito duro, mas vivia-se bem. Graças a Deus. Nunca passamos fome”, garantiu.
Uma das condições para ser admitido era o “atestado” médico a comprovar “boa saúde” para a lavoura. Trabalhos que passavam por “desbravar monte, vencer lameiros e partir pedra”, tudo “feito com sacholas e pás”. Muitos “não aguentaram” a “dureza” daquela vida e emigraram.
Em 1988, com a extinção do conceito, o Estado vendeu as casas e as terras a quem quis ficar. Florinda ficou e dali não quer sair. Natural de Arcos de Valdevez, Manuel Oliveira, de 73 anos, é dos colonos mais novos a chegar à colónia e de onde não quer sair. Começou em 1966 a trabalhar “por conta da Junta” em Vascões. Foi ali que encontrou o “amor”.
Em 1972, “quando o Estado começou a entregar as casas da colónia que foram ficando vazias”, casou e criou família. “Bons tempos, aqueles, andava muita gente por aqui a trabalhar. Era uma maravilha. Agora não se encontra ninguém. Produzia-se de tudo: batata, centeio, milho. Todos criávamos os animais”, recordou.
Na altura, a implementação do projecto não foi “pacífica”, sublinhou Isabel Matias. A arquitecta que estudou a modificação que a colónia causou na paisagem rural, aponta o impacto social com os “casos de litígio judicial” pela “usurpação”, pelo Estado, dos terrenos baldios.
“Houve problemas com a população em vários lugares, retratados por Aquilino Ribeiro na obra quando os lobos uivam”, especificou a coordenadora do Observatório da Paisagem de Paredes de Coura.
Do levantamento que realizou, Isabel Matias sublinhou a “inovação agrícola, tecnológica e arquitectónica” do assentamento urbano.
“Houve muita inovação nas colónias agrícolas. Por isso, é importante dar a conhecer o trabalho multidisciplinar de arquitectos, silvicultores, urbanistas”, referiu, destacando que, de todas, a colónia de Vascões “é das que se mantém mais activa”.
Situada numa zona de “grandes lameiros, mato e pedra”, a ex-colónia implicou um “trabalho muito importante de valorização de solos”, apesar do “trabalho arquitectónico parecer o de maior excelência”.
Em 2018, a colónia foi apresentada em vários países da Europa como ‘case study’ no âmbito do MODSCAPES (Modernist Reinventions of the Rural Landscape).