Governo quer legislativas em Julho
Primeiro-ministro joga a sua permanência à frente do Governo contra coligação negativa no Parlamento. A bola está agora com o PSD, o CDS, o PCP e o BE. Mas tudo indica que as legislativas venham a ser antecipadas. O PS quer que sejam em Julho.
Acossado pela coligação negativa formada pelo PSD, CDS, PCP e BE ao aprovarem em comissão parlamentar, o descongelamento da carreira dos professores na quinta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, deu o salto em frente ameaçando que, se tal medida for aprovada em votação final global, demite-se. E justificou: o efeito da decisão do Parlamento “compromete a governabilidade presente e condiciona de forma inadmissível a governação futura em termos que só os cidadãos, só o eleitorado tem legitimidade para poder determinar”.
O PÚBLICO sabe que o Governo quer eleições e não pretende protelar a crise e tem a expectativa de que o Presidente da República as possa convocar a breve prazo, nomeadamente para Julho. Seguro parece estar que o PS não vai forçar datas, demonstração disso é que o primeiro-ministro deixou esta vertente do problema fora da sua comunicação ao país.
“Ao Governo cumpre garantir a confiança dos portugueses nos compromissos que assumimos e a credibilidade externa do país. Nestas condições, entendi ser meu dever de lealdade institucional informar o Presidente da República e o presidente da Assembleia de que a aprovação em votação final global desta iniciativa parlamentar forçará o Governo a apresentar a sua demissão”, disparou António Costa na sua comunicação ao país.
A inédita decisão na democracia portuguesa de um primeiro-ministro anunciar a sua demissão com prazo e condições só verá o seu desfecho formal dentro de duas semanas, já que a votação final do diploma sobre professores deverá subir a plenário antes do encerramento da Assembleia da República, a 15 de Maio, para a campanha das europeias. Mas tudo indica que o braço-de-ferro entre o PS de António Costa e os outros partidos parlamentares poderá terminar já na sexta-feira, com a votação em plenário.
Esta poderá mesmo ser uma das últimas votações em plenário desta legislatura, já que se o Presidente da República optar por convocar eleições e não pedir ao Governo para ficar em gestão até Outubro, o Parlamento não terá nem tempo nem condições políticas para fazer muito mais. Morrerão assim três temas em processo legislativo em que o Governo apostava: Lei de Bases Saúde, Lei de Bases da Habitação e Legislação Laboral de acordo com estabelecido no Acordo de Concertação Social.
Disparar contra PSD e CDS
Ainda que os quatro principais partidos parlamentares que não são governo se tenham unido em defesa dos professores, António Costa fez questão de os colocar em patamares diferentes e de graduar as críticas, já na fase de resposta aos jornalistas. “Não me compete julgar partidos políticos, mas tenho de reconhecer que BE e PCP foram coerentes com o que defendem desde 2017”, começou por sublinhar o primeiro-ministro, procurando de algum modo preservar os partidos que em aliança parlamentar têm apoiado o seu Governo desde Novembro de 2015.
Mas, imediatamente de seguida, disparou contra o PSD e o CDS. “Se alguém que foi incoerente”, defendeu António Costa, “foram seguramente os outros dois partidos que se juntaram ao BE e ao PCP”, defendeu. O que é facto é que da parte do Governo não há expectativa de que a situação possa mudar e que haja um recuo de qualquer um dos partidos parlamentares, de acordo com as informações obtidas pelo PÚBLICO.
Aliás, as declarações proferidas pelos líderes partidários demonstram que ninguém está disposto a recuar. Logo de manhã e perante as declarações do presidente e líder parlamentar do PS, Carlos César, ao PÚBLICO, abrindo a porta à demissão do Governo, o líder do PSD, Rui Rio, acusava: “Isto é um golpe de teatro, porque está a correr mal ao Governo a campanha europeia. E está a tentar fazer este golpe de teatro e enganar as pessoas.”
Já depois de António Costa falar, o líder parlamentar comunista, João Oliveira, garantiu que o “PCP não aceita chantagens nem ultimatos” e de seguida o secretário-geral, Jerónimo de Sousa, considerou que “a atitude do primeiro-ministro só pode ser entendida “por mero cálculo eleitoralista”.
A líder do BE, Catarina Martins, classificou o “ultimato” de António Costa “uma precipitação” e tratou de retirar as responsabilidades do seu partido, acusando o primeiro-ministro de “dar à direita o prémio de decidir se esta solução governativa cumpre o seu mandato até ao fim”.
Por fim, Assunção Cristas, líder do CDS, foi categórica a rejeitar responsabilidades: “Este Governo fundou a sua governação no apoio parlamentar do BE e PCP. Foi a sua escolha. Portanto é a eles que tem de pedir responsabilidade e apoios. Certamente não ao CDS que, de resto, já apresentou duas moções de censura ao Governo.”
Campanha ao centro
Não foi por acaso, nem só para preservar o PCP e o BE, que o primeiro-ministro elegeu a direita como alvo principal de responsabilização pelos eventuais efeitos descongelamento da carreira dos professores. Essa clivagem é coerente com a lógica discursiva que usou para justificar a sua decisão de se demitir se a medida for aprovada: o PS é o único partido parlamentar que tem a preocupação de manter o equilíbrio das contas e de não pôr em causa a credibilidade externa do país.
António Costa aproveitou assim o anúncio da sua intenção de se demitir para lançar o discurso de campanha eleitoral para as legislativas antecipadas. E fê-lo apelando claramente ao eleitorado do centro: “A aprovação em votação global final desta iniciativa constituirá uma ruptura irreparável com o compromisso de equilíbrio entre a devolução de rendimentos e direitos, com a consolidação das contas públicas e compromete a credibilidade internacional de Portugal.”
Isto depois de garantir que o descongelamento da carreira dos professores provoca “a criação do encargo adicional de pelo menos mais 340 milhões de euros entre este ano e o próximo, devido ao pagamento de retroactivos relativos a 1 de Janeiro de 2019”. Mas também que a sua aplicação em “2019 implicaria necessariamente um Orçamento do Estado rectificativo, o que quebraria a regra da estabilidade e da boa gestão orçamental que tem vindo a ser cumprida todos os anos desde 2016”. Outro argumento usado por António Costa foi o de que “a necessária extensão deste diploma aos demais corpos especiais por si só implicaria um acréscimo da despesa certa e permanente de 800 milhões de euros em cada ano”. Esta medida apenas aplicada “aos professores e restantes corpos especiais colocaria em situação de desigualdade os demais funcionários públicos”, frisando: “Convém acrescentar todos os portugueses que sofreram nos seus salários, nas suas pensões, no seu emprego, e nos seus impostos os efeitos da crise.”
Na lógica argumentativa de Costa, foi ainda salientado o facto de que “a acomodação no curto, médio e longo prazo dos encargos gerados por esta medida só seria possível com inevitáveis cortes no investimento e nos serviços públicos ou com significativos aumentos de impostos.” Fazendo ainda questão de lembrar as necessidades que se vivem no Serviço Nacional de Saúde, em cuja recuperação o seu Governo investimento 1.300 milhões, em quatro anos.