PMA desbloqueada um ano depois: novas doações deixam de ser confidenciais
Lei deverá entrar em vigor a 1 de Junho, podendo ser retomados os processos de PMA. Os nascidos através de recurso a doações poderão saber informação sobre o dador quando fizerem 18 anos. Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida acredita que perfil dos dadores poderá mudar no futuro.
A versão final das novas regras que definem um período de transição para o fim da confidencialidade das doações de gâmetas e embriões para a procriação medicamente assistida (PMA) teve o condão de colocar de acordo todos os partidos – à excepção do CDS – para que se vença o impasse criado pelo Tribunal Constitucional (TC). Depois de, em Dezembro, metade da bancada do PSD ter votado contra algumas propostas dos partidos, esta sexta-feira todos os deputados se juntaram à esquerda para aprovar este regime transitório.
Se a promulgação do Presidente da República for rápida, assim como a publicação em Diário da República, a lei poderá estar em vigor a 1 de Junho – ironicamente, Dia Mundial da Criança. E poderão ser retomados os processos de PMA que ainda estavam na fase burocrática quando, a 24 de Abril do ano passado, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade das regras sobre a “obrigação de sigilo absoluto” por violarem os direitos constitucionais “à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade” das pessoas nascidas através de um processo de PMA com recurso à dádiva de gâmetas ou embriões.
O texto final congregou agora as propostas do Bloco, PSD, PS, PCP e PAN, que foram trabalhadas nos últimos cinco meses pelos deputados.
Na lei fica definido que as pessoas nascidas em consequência de processos de PMA através da doação de gâmetas ou embriões podem, junto dos serviços de saúde, “obter as informações de natureza genética que lhes digam respeito”. E, quando tiverem pelo menos 18 anos, podem obter, junto do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), “informação sobre a identificação civil do dador”, ou seja, o seu nome completo. Antes dessa idade, logo aos 16 anos, podem também “obter informação sobre eventual existência de impedimento legal a projectado casamento”.
Número de dadores vai diminuir?
Para poder manter os gâmetas e embriões já existentes no Banco Público de Gâmetas, os partidos criaram uma norma transitória. Assim, no caso do material em que os dadores não se manifestem sobre o levantamento do anonimato, aquele fica abrangido por um regime de confidencialidade da identidade civil. Mantêm-se confidenciais as informações sobre os embriões resultantes de doações anteriores a 7 de Maio de 2018 e utilizados até cinco anos após a entrada em vigor das novas regras, sobre os gâmetas de doações até à mesma data e usados até daqui a três anos depois; e todas as dádivas que tenham sido usadas até 7 de Maio do ano passado.
Satisfeitas com a solução encontrada, a presidente do Conselho Nacional da Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) e a vice-presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade (APF) esperam que a lei seja publicada rapidamente para que “se ultrapasse o impasse” criado com a decisão do Tribunal Constitucional (TC). “Este compromisso é a solução mais justa. Esperamos que agora não haja mais entraves”, diz Filomena Gonçalves, vice-presidente da APF. Com o fim do anonimato, recorda, “houve um compasso de espera, muitos casais ficaram com os tratamentos em suspenso, mas outros, graças à generosidade dos dadores, conseguiram prosseguir com os processos”. Ao mesmo tempo, lamenta, “houve uma quebra de dadores acentuada”.
Foi possível “encontrar uma solução extremamente equilibrada" que “responde às maiores necessidades" neste domínio, defende a presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, Carla Rodrigues. Ainda que só mais tarde se possa avaliar o impacto da decisão do TC, Carla Rodrigues acredita que, mais do que uma redução significativa de dadores no futuro, como muitos temem, se assistirá a uma “mudança do seu perfil”. A Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução promoveu entretanto uma campanha de sensibilização para este assunto e a decisão do TC de acabar com o anonimato dos dadores, apesar das dificuldades que causou aos casais, acabou por trazer a discussão deste problema para a esfera pública, frisa.
O Banco Público de Gâmetas é o serviço disponibilizado pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) e responsável pelo recrutamento e selecção de dadores de óvulos e espermatozóides. Há um ano, o banco tinha 31 dadores (12 homens e 19 mulheres) e mais cerca meia centena de homens e uma centena de mulheres à espera de serem chamados para a avaliação para se tornarem dadores. Na fase de avaliação estavam mais cerca de 120 pessoas, metade de cada sexo. A lista de espera actual para gâmetas masculinos é de 159 pedidos e para gâmetas femininos de 161 pedidos.
Depois da aprovação, os partidos defenderam, no plenário, que a nova versão da lei “respeita integralmente” o pedido do TC. “O regime agora aprovado permite à criança aceder à entidade civil do dador, mas também permite não desperdiçar material biológico doado benevolamente – que é escasso -, e assegurar o contrato com os dadores que tinham assumido a doação por anonimato”, afirmou a coordenadora do grupo de trabalho, a comunista Carla Cruz.
O bloquista Moisés Ferreira e a socialista Isabel Moreira criticaram o CDS por votar contra os “avanços” da sociedade – “Ninguém espera nada do CDS quando se trata de ganhar direitos”, disse o primeiro; “o CDS só se preocupa com as famílias catálogo”, apontou a segunda – e lembraram que os milhares de mulheres que há cerca de um ano ficaram com a “vida suspensa” devido ao acórdão do TC podem agora retomar o processo. A deputada socialista lamentou que para muitas até é tarde demais porque atingiram, entretanto, a idade limite. A social-democrata Ângela Guerra recusou “politizar o que não é politizável” e o CDS não se manifestou.