Por um Serviço Nacional de Paisagem?
O anunciado encerramento do curso de Arquitectura Paisagista na Universidade de Évora é revelador de um problema nacional que deve preocupar toda a gente.
Imaginemos que o último curso de medicina geral do ensino superior público ficava vazio de candidatos. Estaríamos dispostos a encerrá-lo e, progressivamente, abdicar da profissão para que dá formação? Avento que a maioria dos leitores responderá negativamente, e que a justificação para o sentido da resposta não desdenharia o carácter de interesse público e social facilmente reconhecível na medicina, basilar do Serviço Nacional de Saúde. O problema imaginário – a falta de interesse pela licenciatura – iria ser necessariamente abordado sob outra perspectiva, procurando-se os motivos da falta de candidatos, bem como a sua superação.
Pensemos agora na qualidade da paisagem produzida no último século ao longo do território nacional. Não é difícil reconhecer-se que faltaram arquitectos paisagistas. Os efeitos dessa ausência notam-se tanto mais na dimensão de catástrofe das cheias e dos incêndios nos últimos dez anos: Ilha da Madeira, 2010 e 2016, Portugal Continental, Junho e Outubro de 2017. Uma paisagem mais planeada e projectada poderia ter poupado vidas e recursos, bem como os custos da reconstrução depois da catástrofe.
Nessa medida, torna-se difícil entender a decisão da Reitoria da Universidade de Évora de fechar o curso de Arquitectura Paisagista. Se é certo que o baixíssimo número de candidatos merece reflexão, o fim do curso nada resolve. Apenas retira, a curto prazo, uma linha na folha de cálculo do contabilista referente ao primeiro ano do primeiro ciclo. Todavia, esta decisão financeira contribui para o problema estrutural de falta de uma política pública de paisagem, que é também de interesse público, social e económico. E a arquitectura paisagista está para a construção salutar da paisagem como uma qualquer área da medicina está para a saúde pública.
Estive precisamente em Évora, na Semana Municipal da Juventude, a moderar um debate entre estudantes do ensino secundário. Tinha como mote os resultados de um vasto inquérito realizado entre alunos do concelho. Dois terços dos jovens admitiam desejar sair do concelho, tanto para terminar os estudos, como para trabalhar, e a conversa foi maioritariamente sobre este assunto. Além da subjacente, natural e saudável vontade de conhecer o mundo, o resultado dava expressão a uma imagem de um interior envelhecido, visto como estando longe do conhecimento e das oportunidades. Ora o curso de Arquitectura Paisagista da Universidade de Évora nada deve na comparação qualitativa com outros cursos nacionais e internacionais. Antecipa-se que grande parte das respostas para a falta de candidatos tenha a ver com os custos de deslocação de um estudante para uma cidade como Évora, em que o turismo e a proliferação do alojamento local estão a provocar a escalada dos preços das rendas, que tantas vezes só reconhecemos em Lisboa e Porto. Por outro lado, também haverá explicações mais genéricas, como o pequeno mercado de trabalho concentrado em poucos e a ínfima expressão que a profissão tem nas grandes decisões sobre a paisagem, dirimidas, em grande parte, entre engenheiros, juristas e gestores generalistas.
Este anunciado encerramento é revelador de um problema nacional que deve preocupar toda a gente. Aos que não hesitam em declarar-se favoráveis à extinção do curso a partir do argumento contabilístico da falta de procura, importa recordar-lhes todos os custos inerentes a uma paisagem sem projecto, que mais não é que a concretização de um território disponível para ser consumido e, consequentemente, sem futuro.