Os denisovanos foram os primeiros humanos no planalto do Tibete
Análise a uma mandíbula com 160 mil anos sugere que os denisovanos (espécie humana extinta) foram os primeiros humanos a viver no tecto do mundo, como é conhecido o planalto do Tibete. É a primeira vez que se descobre o fóssil de um denisovano fora da Sibéria.
Uma mandíbula com 160 mil anos encontrada numa gruta no planalto do Tibete pertencia a um denisovano, uma espécie humana já extinta. É a principal conclusão de um estudo publicado esta quinta-feira na revista científica Nature. Como é o fóssil mais antigo de um humano descoberto nesta região, isto significa que os primeiros humanos a viver no tecto do mundo foram os denisovanos. Sugere-se ainda que esta espécie humana se adaptou a grandes altitudes e a baixos níveis de oxigénio antes da chegada do Homo sapiens, a nossa espécie, a essa região.
Se a maior parte das pessoas ficaria enfraquecida, os tibetanos conseguem viver bem em zonas de elevada altitude e com baixos níveis de oxigénio. Em 2014, a explicação para esta resistência foi desvendada. Num artigo na revista Nature Genetics concluiu-se que os tibetanos tinham uma mutação no gene EGLN1, que permite evitar os efeitos nefastos da produção de mais glóbulos vermelhos em altitudes elevadas.
Também nesse ano, noutro estudo da Nature, verificou-se que os tibetanos tinham uma variante genética que lhes permitia viver com níveis baixos de oxigénio em altitudes superiores a 4500 metros – a altitude média do planalto do Tibete, que ocupa 2,5 milhões de quilómetros quadrados no centro da Ásia. Essa variante era uma versão mutada do gene EPAS1 quase idêntica a uma versão desse gene dos denisovanos, espécie “irmã” dos neandertais (outra espécie humana extinta) que viveu até há 30 mil anos.
Contudo, até então só tinham sido descobertos dentes e uma falange de denisovanos na gruta de Denisova, nos montes Altai, na Sibéria. Sabia-se ainda que o legado desta espécie – que foi anunciada em 2010 graças à análise do ADN de um fóssil da gruta de Denisova – deixou a sua marca em mais populações além dos tibetanos. “O seu legado genómico está presente em muitas populações asiáticas, australianas e melanésias, o que sugere que deveriam estar mais dispersos”, lê-se no artigo científico. Faltava descobrir fósseis fora da gruta de Denisova.
A chegada do Homo sapiens
Esse momento chegou. Pela primeira vez, encontrou-se um fóssil de um denisovano fora da Sibéria. Descoberto por um monge em 1980 na gruta Baishiya Karst (no condado de Xiahe, no Tibete), este fóssil consiste na parte direita da mandíbula de um hominídeo. Essa mandíbula acabou por ser doada à Universidade de Lanzhou (China).
Em 2010, Dongju Zhang – coordenadora deste trabalho e da Universidade de Lanzhou – e outros investigadores começaram a estudar a área e a gruta onde a mandíbula foi encontrada. Mas foi em 2016, e com a colaboração do Instituto Max Planck (na Alemanha), que se iniciou a parte mais difícil deste trabalho, segundo a cientista: a datação do fóssil.
Como não se encontraram vestígios de ADN preservado na mandíbula, a equipa começou por extrair e analisar proteínas de um dos molares. “A nossa análise às proteínas mostrou que a mandíbula de Xiahe pertencia a uma população de hominídeos que estava estreitamente ligada aos denisovanos da gruta de Denisova”, afirma Frido Welker, também autor do artigo e do Instituto Max Planck, num comunicado da sua instituição.
Depois, também se verificou que o fóssil tinha semelhanças anatómicas com os neandertais e os denisovanos. Por fim, como a mandíbula estava acoplada a uma crosta de carbonato, datou-se essa crosta com o método de datação por urânio-tório. Concluiu-se então que este fóssil tem pelo menos 160 mil anos. Ou seja, esta datação encaixa com a idade dos fósseis na gruta de Denisova, que têm entre 200 mil e 55 mil anos.
Quanto à chegada do Homo sapiens à região, a cientista refere que não se sabe bem quando aconteceu. “Vestígios arqueológicos, sobretudo artefactos de pedra, encontrados no sítio arqueológico de Nwya Devu [no mesmo planalto] sugerem que provavelmente os humanos modernos chegaram às regiões mais altas do planalto do Tibete há entre 30 e 40 mil anos”, resume Dongju Zhang.
Portanto, esta mandíbula trouxe ainda outra novidade, como salienta Dongju Zhang: “Este fóssil indica que os denisovanos chegaram e se adaptaram a altitudes elevadas e a condições com baixo oxigénio há 160 mil anos, no Pleistoceno Médio [entre 781 mil e 126 mil anos], muito mais cedo do que a chegada dos humanos modernos à região.”
Já para Jean Jacques Hublin – que também liderou o trabalho e pertence ao Instituto Max Planck –, esta descoberta é importante para que se possa compreender melhor a história evolutiva do Leste asiático. De acordo com o cientista, as semelhanças entre este fóssil e outras espécies da China confirmam a presença dos denisovanos no registo fóssil asiático.
“A partir do nosso estudo, sabemos que os denisovanos se distribuíram pelo Leste asiático”, ressalva ainda Dongju Zhang. “Através de futuras comparações morfológicas entre a mandíbula de Xiahe e outros fósseis humanos, teremos ainda uma melhor compreensão dos fósseis humanos do Pleistoceno Médio no Leste da Ásia.”
Por agora, a equipa de Dongju Zhang vai continuar a trabalhar no sítio onde a mandíbula foi descoberta à procura de pistas sobre como os denisovanos viviam. O que comiam? Ou como se adaptaram ao planalto do Tibete? Afinal, por enquanto, apenas se sabe que tinham molares relativamente grandes.