Recuperar tempo de serviço seria o “maior aumento de despesa” desta legislatura
O ministro das Finanças está no Parlamento a apresentar as suas contas sobre o impacto financeiro da recuperação integral do tempo de serviço dos professores que esteve congelado.
O ministro das Finanças Mário Centeno indicou nesta terça-feira, no Parlamento, que a contabilização integral do tempo de serviço dos professores que esteve congelado (nove anos, quatro meses e dois dias), em conjunto com as progressões derivadas do descongelamento das carreiras, representará “4% de toda a massa salarial do Estado”, constituindo o “maior aumento da despesa permanente desta legislatura”, caso o Parlamento acabe por impor a recuperação e todo o tempo de serviço.
Mário Centeno foi chamado à comissão parlamentar da Educação no âmbito da apreciação parlamentar do diploma do Governo sobre o tempo de serviço dos professores — que em Março apenas consagrou a recuperação de cerca de três anos. À excepção do PS, todos os partidos defendem que seja consagrada a recuperação de nove anos, dois meses e quatro dias do tempo de serviço dos professores, embora divirjam sobre a forma com tal se concretizará. A votação na comissão das propostas de alteração está agendada para o próximo dia 2 de Maio.
A audição de Mário Centeno foi requerida pelo grupo parlamentar do PS. “O PS não duvida das contas apresentadas pelo Governo, mas não queremos que falte qualquer esclarecimento a este Parlamento”, justificou o deputado do PS Porfírio Silva, lembrando que da parte dos outros grupos parlamentares têm surgido dúvidas quanto às contas apresentadas pelo Governo.
“Os senhores deputados farão o que a sua consciência determinar, mas do que não existem dúvidas que o cinismo e a demagogia é o que está” na base destas propostas de alteração ao diploma do Governo, acusou Centeno em resposta à intervenção da deputada do PSD Margarida Mano.
A deputada lembrou ao ministro das Finanças que o seu grupo parlamentar apresentou vários requerimentos para obter mais informação sobre os custos da recuperação do tempo de serviço e que até agora não chegou nenhuma resposta. “Não deu resposta a estes requerimentos e agora vem aqui apresentar os números que lhe interessa do ponto de vista da comunicação”, acusou.
Os mesmos milhões
Mário Centeno insistiu que os valores que tinha a apresentar “são os mesmos” que o Governo apresentou aos sindicatos em Dezembro de 2017. Ou seja, que a recuperação total do tempo de serviço representará um aumento anual da despesa de 635 milhões de euros. Em 2018, o primeiro-ministro começou por falar em 600 milhões.
O ministro das Finanças adiantou que se o princípio da recuperação integral do tempo de serviço venha a ser alargada às outras carreiras especiais da justiça, administração interna e militares o aumento anual da despesa em salários subiria para 800 milhões de euros.
Em contrapartida, a recuperação de cerca de três anos decidida perlo Governo representaria um aumento da despesa anual, a partir de 2023, de cerca de 200 milhões de euros.
“Alguém tem de pagar. É uma demagogia fazer crer aos portugueses que esta medida [recuperação integral] se pagaria por via de variáveis económicas. Isso não vai acontecer”, afirmou Centeno em resposta à deputada centrista Ana Rita Bessa, desafiando-a a apresentar o que se teria de deixar de fazer caso se venha a concretizar a recuperação integral do tempo de serviço.
“Não quer aumentar pensões?”, questionou, para depois acrescentar que o que está a fazer é “cumprir objectivos orçamentais”. “Algo que a senhora deputada não sabe fazer”, atirou. Centeno foi particularmente virulento nas respostas às bancadas do PSD e do CDS, mas também não deixou de dar remoques aos partidos à esquerda do PS. “Esta proposta [recuperação total tempo de serviço] não foi sufragada pelos portugueses. Nenhum partido a apresentou na última campanha eleitoral”, disse. Esta questão só acabou por ser colocada quando em Novembro de 2017, quando estava a ser ultimado o Orçamento de Estado para o ano seguinte.
A deputada do PCP Ana Mesquita observou que quando se trata de assegurar “os privilégios da banca, está sempre tudo uma maravilha para o Governo”, aproveitando para comentar o tom invulgar adoptado por Centena nesta audição. Que lhe respondeu de imediato: “Desde 2010 que não se via a bancada do CDS tão exuberante ao lado do PCP”. Centeno referia-se ao último ano do governo minoritário do PS, quando o Parlamento aprovou medidas que disse estarem avaliados em muitos milhões de euros e que ajudaram a levar à bancarrota.“Isso não vai voltar a acontecer”, proclamou, comentando de seguida que “roubar é prometer o que não se consegue pagar”.
Aposentações ignoradas
Questionado por vários deputados, o ministro das Finanças reconheceu que as contas que voltou a apresentar têm em conta os cerca de 102 mil professores que actualmente estão no quadro e que as estimativas feitas pelo Governo não levaram em linha de conta os mais de cinco mil professores que deverão reformar-se até 2023.
Este cálculo foi também avançado pelo executivo, mas na sessão desta terça-feira o ministro das Finanças justificou a sua omissão nas contas dos 630 milhões com o seguinte argumento: “A estimativa das progressões está a ser ajustada mensalmente e ninguém vai decidir quando alguém se aposenta”.
Caso a recuperação dos nove anos, quatro meses e dois dias vá por diante, “35 mil professores estarão no topo da carreira em 2023 e 50% ficarão colocados nos últimos dois escalões [existem dez]”, revelou Centeno. . Actualmente só cerca de 17 mil docentes chegaram a estes escalões.
A este respeito, a deputada do BE Joana Mortágua frisou que “é direito dos professores chegar ao topo da carreira”. “Ninguém vai questionar que um funcionário do Banco de Portugal chegue ao topo e tenha o vencimento equivalente”, acrescentou. Centeno, que pertence aos quadros do Banco de Portugal, considerou que o assunto não era para ali chamado.
Já depois da audição, Joana Mortágua disse ao PÚBLICO esperar que o PSD,"se for coerente” e quiser “responder” à situação dos professores, aprove a proposta de alteração do Bloco, na votação agendada para 2 de Maio.