Videoclipe
A garota não: música para encaixilhar palavras
Esta galeria é uma parceria com o portal Videoclipe.pt, sendo a seleção e os textos dos responsáveis do projeto.
A crónica de Hilário Amorim: Videoclipe, o herói improvável
Como o destaque semanal de um videoclipe português aqui no P3 é efetuado a partir dos vídeos adicionados numa semana em VIDEOCLIPE.PT, é inevitável reparar na analogia que existe nos cinco que nos chegaram desta vez. No caso, o facto de todos eles adotarem o modelo central da música popular que tem a interpretação musical em destaque (designados de vídeos performativos) e uma série de soluções visuais e cénicas para a intercalar. Por exemplo, as coreografias no de Virgul e no de LEFT, os pequenos traços ficcionais no de Carina T e os exuberantes elementos surreais no de Mr. Gallini. Porém, o destaque vai para este Adamastor de uma nova cantautora setubalense que assina só com minúsculas o curioso nome de a garota não. Destacamos porque o seu videoclipe vai além do mero convencionalismo dos outros referidos e procura uma solução mais criativa ao introduzir a interpretação musical em vinhetas de ficção histórica. Um tipo de solução performativa que já por diversas vezes aqui realçamos o valor. Mas ficção aqui quer dizer a interessante recriação cénica de quadros de J. Vermeer e as ligeiras animações de um famoso tríptico de H. Bosch.
É certo que esta recriação não tem um qualquer engenho visual capaz de catapultar as reações dos espetadores online ao patamar de uma viralidade, e a consequente fácil adesão e notoriedade para o artista musical. No entanto, aqui importa louvar o facto de alguém completamente novo no limitado mercado nacional apresentar este belo desafio criativo e com algum grau de produção — louvores dirigidos sobretudo ao realizador Pedro Estêvão Semedo, a Mário Guilherme (dop) e a toda a equipe da produtora, a também setubalense GARAGEM. E, mais importante ainda, perceber que ele faz sentido para a significação da letra (projeta nas epopeias da condição feminina uma metáfora para os seus próprios dilemas amorosos) e para o universo poético e literato da autora, que privilegia mais o doseamento sereno das palavras do que um fulgor vocal ou a expansão musical. No fundo, um videoclipe que cativa e seduz o suficiente para apelar à curiosidade em escutar o restante álbum deste projeto de Cátia Mazari, Rua das Marimbas, e descobrir mais territórios musicais em que as palavras se poderão encaixilhar.
Texto escrito segundo o novo Acordo Ortográfico, a pedido do autor.