Vale do Lobo? “Espero bem que seja rentável”, diz António de Sousa

O antigo presidente da Caixa está à frente da sociedade de capital de risco ECS que comprou o empreendimento algarvio por 222 milhões, “financiado” pelo próprio banco. E explicou aos deputados os contornos de um negócio que espera que seja rentável, depois de ter sido ruinoso para o banco público.

Foto
LUSA/TIAGO PETINGA

O ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), António de Sousa explicou, esta manhã, na Assembleia da República que espera que a compra de créditos e capital de Vale do Lobo pelo fundo de capital de risco que lidera actualmente seja rentável, depois de ter sido ruinoso para o banco público. “Espero bem que seja rentável. Não temos acertado em todos os negócios que fazemos. Isto é capital de risco, há resultados nuns [negócios] e noutros não”, adiantou, numa referência à venda do empreendimento algarvio à ECS Capital por um valor de 222,9 milhões de euros, anunciada no ano passado.

Vale do Lobo é um dos investimentos mais polémicos da CGD, tendo chegado a ter um peso superior a 300 milhões de euros nas contas do banco, entre financiamentos e capital. A aposta feita pela instituição em 2006 está, aliás, envolta em suspeitas no âmbito da Operação Marquês e dado o envolvimento do antigo administrador Armando Vara. No início do ano passado, a Caixa liderada por Paulo Macedo anunciou uma operação em que - em conjunto com o Novo Banco e o BCP - vendeu o empreendimento a um fundo da sociedade ECS Capital, liderada por António de Sousa, assumindo uma participação no próprio fundo, no âmbito do negócio, e noutros activos da sociedade ("financiando” assim a própria operação, num valor próximo do montante da operação, em torno dos 223 milhões, só na parte que diz res). 

Confrontado pelos deputados com esta operação, António de Sousa, que liderou a Caixa entre 2000 e 2004, começou por explicar a lógica por trás da criação da ECS. “Criaram-se estes fundos de reestruturação em 2009, a ECS foi o primeiro, com uma meta fundamental: fazer a mutualização [rentabilização] dos créditos da banca. Estes fundos compravam os créditos de uma empresa a vários bancos, e havia uma mutualização desses créditos”. Sobre a operação de Vale do Lobo, revelou que se trata da “última que fizemos porque o fundo estava no fim do período de investimento. Estas operações, quando demoram menos de um ano é muito bom, porque são complicadas do ponto de vista jurídico. Na prática, Vale do Lobo ao entrar no fundo ficou mutualizado [dentro] do fundo”. 

Sobre o facto de a exposição a Vale do Lobo se ter traduzido em imparidades elevadas - entretanto minimizadas pela venda de activos -, António de Sousa sublinhou que “uma das regras fundamentais da nossa negociação com os bancos, é que os bancos nunca dizem qual é a imparidade, porque se dissessem, seria mais fácil para nós fazer uma oferta próxima do que está nas contas. Eu sei que tiveram de fazer imparidades adicionais, mas eu nunca sei qual a imparidade. Eles não nos dão essa informação”. Nas contas do banco consta, só em 2018, uma imparidade superior a 100 milhões de euros. A CGD, no entanto, continua exposta a Vale do Lobo, através das unidades de participação que comprou no fundo, pelo que o saldo final deste negócio só ficará definido quando a ECS voltar a transaccionar o empreendimento.

Operação está a correr “bastante bem"

Questionado sobre se a Caixa está a repetir uma operação em que financia uma empresa privada, que vai acabar por lucrar com esse negócio, António de Sousa respondeu de forma lacónica: “Não. Porque nos fundos de reestruturação há uma mutualização da dívida, de tal forma que os outros bancos que também estão no fundo têm de aprovar o negócio. Se houver prejuízo em Vale do Lobo é repartido pelos quatro bancos”.

O ex-presidente da CGD vai mais longe e considera mesmo que o banco “livrou-se de dois terços do problema. Ficou com as unidades de participação [UPs] inscritas no balanço. Tinha no seu activo um crédito e passou a ter no seu activo UPs, que representam uma alíquota de um conjunto relativamente largo de activos”, revelando que os activos transferidos pela Caixa representam 20% do fundo.

Desta forma, continuou, diluiu o risco, a partir do momento que passou a ter uma parcela do portefólio. Por isso é que os outros bancos tiveram de aceitar. Porque se a compra for má ou feita por um valor desadequado”, eles chumbam a operação, dado que não aceitariam ficar com o risco da Caixa. A operação “tem corrido bastante bem até agora, no caso concreto. Alguns dos activos vendidos pelo fundo foram-no com lucros razoáveis”, concluiu.

Sobre se considera que se trata de um excelente negócio para o fundo que lidera agora, António de Sousa destacou que “muitos fundos internacionais tentaram comprar activos que os bancos tinham de vender por imposições internacionais, por valores muito baixos. Fazem isso em toda a parte”. No caso da ECS, os seus fundos não procuram ter “uma rentabilidade de 10%, 20% ou 30%”, fazendo antes negócios com “uma rentabilidade baixa, mas em que o valor do activo é devolvido aos bancos”.

“Se nos correr bem a venda de Vale do Lobo, o lucro é fundamentalmente para o conjunto dos bancos. Aquilo tem várias regras, quanto melhor a gente vender, o lucro vai para os bancos, mas nós também temos uma parcela”. Para a Caixa, vai “na proporção, 30 e tal por cento”.

António de Sousa aproveitou ainda a ocasião para revelar alguns pormenores da negociação com a gestão liderada por Paulo Macedo: “tanto quanto foi público, a única outra proposta que houve era substancialmente [inferior]… dois terços, 50%, do valor que foi transferido para o fundo [da ECS]. E que eu saiba não havia mais propostas”.

No que diz respeito à criação de fundos como o da ECS, o antigo presidente da Caixa acrescentou que “eles surgiram para evitar um monopólio de fundos estrangeiros que estavam a aproveitar-se da necessidade dos bancos [durante a crise] e ofereciam valores muito baixos. [No caso de Vale do Lobo], a ideia era tomar conta da sociedade de gestão e depois reestruturar a empresa. Não tenho o pelouro, mas vou lendo os relatórios e penso que neste momento a médio prazo [pode ser rentável], porque há vivendas e terrenos e estes demoram tempo a chegar ao seu terminus”.

Questionado sobre eventuais processos de idoneidade do Banco de Portugal, o gestor sublinhou que desconhecia qualquer processo, aproveitando para esclarecer que o que foi noticiado [pelo Expresso] é que estava entre um conjunto de ex-líderes da Caixa que “podiam ser avaliados porque estavam em cargos que necessitavam de avaliação de idoneidade. Que eu saiba não há nenhum processo sobre esta matéria”, afirmou.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários