Sri Lanka: o terror e as cicatrizes de uma guerra civil

As redes sociais continuam bloqueadas, de modo a combater a disseminação de rumores e discursos separatistas, que têm historial de incitar motins e justiça popular neste país. O futuro é incerto e alguns dos nossos amigos dizem estar prontos para lutar, se chegar a isso. Esperemos que não chegue.

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Dinuka Liyanawatte/Reuters

Estamos a viajar no Sri Lanka há 50 dias. É um país com uma beleza estonteante. Se a costa parece vir directamente de um postal paradisíaco, nas montanhas sentimo-nos a percorrer as tão familiarmente verdejantes curvas e contracurvas madeirenses. A sua gente é de uma generosidade incrível, capazes de percorrer enormes distâncias para ajudar um turista em apuros. Nunca nos faltou um sorriso de simpatia, nunca nos sentimos inseguros.

O Sri Lanka é um país pacífico, mas esta paz não é tão antiga quanto isso. Há dez anos findou uma sangrenta e destrutiva guerra civil de 25 anos entre os dois grupos étnicos principais do país — os cingaleses (maioria) e a população tamil (minoria). Uma guerra civil destas proporções marca uma nação de forma profunda. São cicatrizes que demoram a sarar e dez anos não chegam para diluir a dor da população deste país.

Um dos nossos grandes objectivos durante esta meia centena de dias foi compreender as diferentes perspectivas, motivações e consequências destes 25 anos passados em guerra. Tivemos contacto com pessoas de todas as religiões que habitam na ilha: budistas, hindus, muçulmanos e católicos. Embora as opiniões divirjam em relação a quem foram os heróis da guerra, há um ponto em que todos parecem concordar: a guerra está no passado e ninguém quer voltar a esses tempos.

Era domingo de Páscoa e estávamos num hostel em Kandy, uma das principais cidades do Sri Lanka. Quando descemos para o pequeno-almoço, encontrámos toda a gente de olhos postos na televisão e com expressões horrorizadas. Seis bombas haviam rebentado durante as celebrações de Páscoa, a maioria na capital, Colombo, mas não só. A tensão e choque eram quase palpáveis no ar. Perguntámos aos habitantes do Sri Lanka que nos rodeavam pelas suas famílias e, felizmente, estavam bem. Estamos em Kandy, disseram-nos, aqui não há problema, façam a vossa vida normal e não se aproximem de lugares muito movimentados. Sentimos algum alívio e fomos dar um passeio. Quando regressámos, mais duas bombas tinham rebentado e o número de mortos já chegava às centenas. Mas afinal, que raio é que se está a passar?

Contactámos os nossos amigos em Colombo e Negombo, já com alguma preocupação. Afinal, há apenas umas semanas tínhamos visitado uma das igrejas atacadas — a igreja de S. Sebastião — com uma natural do Sri Lanka profundamente católica com quem fizemos amizade. Tememos que estivesse presente, junto com as filhas, naquela fatídica missa de Páscoa. Conseguimos contactar o seu companheiro e suspirámos de alívio ao saber que estavam bem e tinham fugido da cidade. É um alívio algo egoísta, sendo que tantas pessoas morreram sem que tivéssemos a oportunidade de as conhecer. Ainda assim, existiu.

Depois de falar com diversas pessoas percebemos que, quanto mais próximas das explosões estavam, menos pacífica era a sua opinião. Os ataques despertaram ódios adormecidos de uma guerra demasiado recente. Há dez anos que não se via nada assim, diziam-nos, isto é muito perigoso, mantenham-se afastados de Colombo. À conversa com pessoas que têm amigos e conhecidos incluídos nas tristes fatalidades, a ideia de retaliar e vingar este acto cruel não era muito distante. Assustadoramente próxima, até. Perguntámos se achavam que uma guerra ia começar, sem acreditar muito que a resposta fosse positiva, mas houve quem dissesse que sim. O terrorismo é uma das grandes marcas da guerra civil passada, onde incríveis actos de violação contra os direitos humanos foram cometidos. Assim, não admira que estes ataques deixem a população em sentido de alerta. Alguns até já tiraram os filhos da capital.

Por enquanto fica a tensão no ar, mesmo a mais de 100 quilómetros da capital. Os edifícios religiosos, as estações de transportes públicos e os centros comerciais estão rodeados de militares, bem como os principais acessos à cidade de Kandy. As escolas estão fechadas e o recolher é obrigatório. As redes sociais continuam bloqueadas, de modo a combater a disseminação de rumores e discursos separatistas, que têm historial de incitar motins e justiça popular neste país. O futuro é incerto e alguns dos nossos amigos dizem estar prontos para lutar, se chegar a isso. Esperemos que não chegue.

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