Esquizofrenia: o rosto de um homem por detrás da doença
O fotógrafo britânico Louis Quail registou, ao longo de sete anos, o quotidiano do irmão esquizofrénico Justin. Mostra agora o trabalho no fotolivro Big Brother na esperança de “combater a ignorância e o estigma” associados à doença mental.
Justin Quail tem, hoje, 60 anos. O pesado diagnóstico chegou quando tinha apenas 20: esquizofrenia paranóide. Louis Quail, o irmão fotógrafo, documentou ao longo de sete anos — desde a morte da mãe de ambos, também esquizofrénica, em 2010 — o quotidiano de Justin e da sua namorada de longa data, Jackie, na esperança de “combater a ignorância e o estigma” associados à doença mental.
“O Justin não é um santo, mas existe dentro dele muito mais do que a doença de que padece”, pode ler-se no fotolivro Big Brother, editado recentemente pela Dewi Lewis. “A doença não o define. Ele tem carácter, personalidade: existe luz e sombra na sua vida; tristeza, mas também criatividade, afectividade e paixão. Eu quero que as pessoas vejam o Justin.” Louis quer revelar o homem por detrás da doença e provar que, apesar da tipificação de alguns comportamentos, cada pessoa esquizofrénica tem o seu percurso, as suas próprias preferências, gostos, atributos. Que cada um deve ser compreendido à luz da sua especificidade — e não apenas catalogado e colocado numa caixa de onde não pode sair.
O percurso pessoal de Justin foi marcado por longos períodos de instabilidade. O divórcio dos pais, a doença mental da mãe e o convívio com um padrasto alcoólico e abusivo ditaram a sua fuga de casa, aos 15 anos. Encontrou um lar numa casa ocupada por vários adolescentes, onde começou a dedicar-se à observação de pássaros e ao consumo de drogas. O consumo de haxixe e de alucinogénios viria a despertar a doença que se encontrava latente. “A ligação entre a doença mental e o uso de drogas é conhecida e, com factores genéticos e ambientais à mistura, foi com pouca surpresa que, em 1979, recebemos a notícia do seu internamento no hospital psiquiátrico Saint Luke, em Middlesbrough”, recorda o irmão no livro.
Justin ouve vozes, tem alucinações visuais, acumula objectos de forma errática, é a figura central de um quotidiano tudo menos rotineiro. Ao longo de 30 anos foi admitido em diversas instituições psiquiátricas. “Tem vivido uma vida dominada pela sua condição”, explica o fotógrafo britânico. Não existe uma cura para a esquizofrenia, mas a doença pode ser controlada através de medicação — é hoje considerada uma doença crónica. “O Justin odeia tomar a medicação. Sempre que tem uma consulta, levanta a questão da interrupção. Um dos efeitos secundários das drogas antipsicóticas que toma é ter enjoos severos e dores nos músculos onde recebe as injecções regulares. Outra é a impotência sexual.”
A história de amor de Jackie e Justin
“É inesperado ver o Justin e a Jackie a serem capazes de manter um relacionamento por um período tão longo”, observa o fotógrafo. Estão juntos, interruptamente, desde 1995. E ambos têm esquizofrenia. “A Jackie passa a maior parte do dia a beber, a fumar, a dormir e a ver televisão”, descreve o fotógrafo. Quando a conheceu, Jackie era também agorafóbica — tinha ataques de pânico sempre que abandonava a sua casa. Antes do primeiro surto, aos 21 anos, era cabeleireira em barcos de cruzeiro. Hoje, com 62, relembra no fotolivro o início da relação com Justin: “Um dia, simplesmente, ficámos juntos — foi como juntar um íman a outro íman. Ele beijou-me no sofá do centro de dia de Level Crossing — foi muito romântico — e eu pensei ‘ah, estou apaixonada’.”
Não é o romance perfeito, garante o fotógrafo, mas a ligação entre eles é forte e importante para ambos. “Eles são muito queridos um com o outro — nem sempre, claro. Houve até uma altura em que ponderaram casar-se.” No entanto, os episódios de instabilidade de ambos já deram origem a alguns episódios de violência que geraram algumas queixas na esquadra de polícia. “O comportamento de ambas as partes pode ser desafiante e provocador”, ressalva Louis. “A justiça deve ter em conta o diagnóstico de esquizofrenia para poder optar pelo melhor procedimento [aquando de algumas altercações].”
Apesar de a ficha criminal de Justin estar longe de poder ser considerada “limpa”, Louis considera o irmão uma pessoa pacífica, no seu âmago. “Pratica yoga e meditação com frequência. Sente um enorme amor pela arte, pela poesia, pelo contacto com a natureza, pela observação de pássaros, actividades que o ajudam a lidar com a sua condição.” Big Brother inclui, além de fotografias, algumas pinturas e poemas de Justin, assim como listas de pássaros que avistou e cartas que escreveu.
Louis vê o irmão como alguém cujo desenvolvimento sofreu uma paragem abrupta durante a adolescência. “Ele não compreende bem o funcionamento da lei; e não compreende quando ultrapassa a barreira do socialmente aceitável. Especialmente quando está doente.” Mas foi Justin quem, conscientemente e por razões altruísticas, permitiu que Louis documentasse o seu percurso e o publicasse em formato de livro. “Ele compreende que pode ajudar os outros ao partilhar a sua história.”