Alberto Martins: “Só quem compreende o passado pode sonhar e construir o futuro”

Alberto Martins, o presidente da Associação Académica de Coimbra que pediu a palavra a Américo Thomaz, dando início à crise académica de 1969, é hoje homenageado pelo PS. Amanhã lança um livro onde revela segredos dos arquivos dos ministérios da Defesa e da Educação sobre estes acontecimentos.

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Alberto Martins foi líder parlamentar do PS e ministro da Justiça Enric Vives-Rubio

Foi com surpresa que Alberto Martins recebeu o telefonema de António Costa para lhe dizer que seria homenageado no jantar de aniversário do PS, esta segunda-feira, em Lisboa. Uma surpresa boa: “Significa que o PS considera, e com todo o sentido, que as lutas dos estudantes de Coimbra e as lutas de há 50 anos foram muito importantes no caminho para a democracia em Portugal. Entendo como uma homenagem a uma geração de resistência, luta, de coragem e de risco”, diz ao PÚBLICO.

O antigo líder parlamentar e ex-ministro da Justiça socialista tinha divergido do actual primeiro-ministro na altura das primárias do partido em que António José Seguro foi derrotado por Costa. Mas disso Alberto Martins não quer falar, são águas passadas. Acha até que o PS “mantém o seu ADN de confluência de sensibilidades e perspectivas”. “O Partido Socialista sempre teve uma natureza federativa e penso que futuro do partido é esse, sempre”, sublinha.

A homenagem acontece numa esquina do tempo em que Abril é marca. Alberto Martins nasceu a 25 de Abril de 1945 e 22 anos depois, a 17 de Abril de 1969, é o protagonista do acontecimento que fez deflagrar a crise académica de Coimbra, considerada como uma antecâmara da Revolução dos Cravos. Quatro anos depois, a 19 de Abril de 1973, Mário Soares e outros militantes da Acção Socialista Portuguesa fundam, na cidade alemã de Bad Münstereifel, o Partido Socialista.

O jantar desta segunda-feira acontece no dia em que se cumpre meio século sobre o decreto do luto académico, nos jardins da Associação Académica de Coimbra, depois de oito estudantes terem sido suspensos da vetusta universidade na sequência do protesto de 17 de Abril. Neste dia, a inauguração do edifício das Matemáticas levara à cidade o então Presidente da República Américo Thomaz e o ministro da Educação José Hermano Saraiva, entre outros. Alberto Martins era o presidente da Associação Académica de Coimbra e, perante o espanto e a consternação da clique da ditadura, pediu a palavra. Não lha concederam.

Foi preso nessa noite e libertado no dia seguinte, mas isso seria apenas o início desta história que agora Alberto Martins conta no livro “Peço a Palavra – Coimbra 1969” [editora Babel], que vai ser lançado esta terça-feira na Sala 17 de Abril do edifício das Matemáticas, a mesma onde tudo começou e que logo nos dias seguintes passou a chamar-se assim. “Até o Infante D. Henrique, que dava nome à sala, concordou em homenagear os estudantes”, brinca.

A apresentação vai ser feita pelo actual presidente da AAC, Daniel Azenha, e dois contemporâneos da crise académica, o professor Rui Namorado e a médica Manuela Lacerda. “As mulheres tiveram uma grande importância na crise, até porque 45% dos estudantes da Universidade de Coimbra em 1969 eram mulheres, era das mais altas taxas de feminização da Europa”. Em 1969, a Universidade de Coimbra representava 25% dos estudantes universitários do país, com 9.052 estudantes, dos quais 4100 eram mulheres.

Para escrever este livro, Alberto Martins consultou todo o arquivo do Ministério da Defesa e do Ministério da Educação Nacional da altura, que nunca tinha sido consultado e divulgado antes, e traz dados absolutamente novos, afirma: “Fiquei a saber a cumplicidade entre os sectores ultra do regime, a PIDE e os dois ministérios”.

Meio século depois, o que é que a crise de 1969 tem a ensinar-nos? Alberto Martins não gosta de olhar para a história como mestre de futuro, mas não tem dúvidas de que “só quem compreende o passado pode sonhar e construir o futuro”.

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