Os ucranianos elegeram uma folha em branco como Presidente. E agora?

Jornalistas, analistas, investidores, e líderes estrangeiros, todos se perguntam o que irá fazer o novo Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky. Eleições legislativas em Outubro vão ser decisivas.

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Zelenskii conseguiu 73% dos votos na segunda volta VALENTYN OGIRENKO / Reuters

A vitória esmagadora do humorista Volodimir Zelensky na segunda volta das eleições presidenciais ucranianas abre um período de forte incerteza quanto ao rumo do país. Se durante a campanha a vitória do actor sem experiência política passou de improvável a previsível, os contornos do que quer para a Ucrânia permanecem escondidos.

As primeiras declarações como Presidente eleito – a tomada de posse será no início de Junho – não forneceram novas pistas sobre as intenções de Zelensky, que preferiu focar-se na vitória que acabara de obter na noite de domingo. “Fizemo-lo juntos. Obrigado a todos os cidadãos ucranianos que votaram em mim. A todos que não o fizeram, prometo que não vou estragar tudo”, afirmou.

Zelensky garantiu que pretende dar continuidade às negociações de paz do Acordo de Minsk, mediadas pela Alemanha, França e Rússia, que têm como objectivo acabar com o conflito no Leste da Ucrânia que desde 2014 fez mais de 13 mil mortos. Apesar de estar formalmente em vigor, o acordo não conseguiu pôr fim aos confrontos, que continuam a fazer vítimas nos dois lados da linha de contacto.

A persistência da guerra no Donbass, associada ao empobrecimento da população e à percepção generalizada de que a corrupção atinge toda a sociedade, foram os factores que contribuíram para o descrédito do Presidente cessante, Petro Poroshenko, que não conseguiu mais do que 25% dos votos no domingo. Foi neste contexto que surgiu a candidatura de Zelensky, um actor e produtor de 41 anos que se celebrizou ao protagonizar uma série sobre um professor de liceu que se torna Presidente da Ucrânia, desafiando a classe política estabelecida.

Sem outros trunfos que não o reconhecimento público pela carreira como actor e humorista, Zelensky liderou uma campanha pouco ortodoxa – sem comícios, nem programa eleitoral, apenas espectáculos de comédia – que culminou num debate com Poroshenko no Estádio Olímpico de Kiev, perante 70 mil pessoas.

Dúvidas e preocupações

O sentimento dominante no dia seguinte à sua vitória é apenas um: dúvida. Zelensky não revelou a que tipo de reformas quer dar prioridade, como irá lidar com o Fundo Monetário Internacional, que tipo de relação quer estabelecer com a União Europeia, os EUA e a Rússia, ou até como será feita a regulação dos preços do gás. “Dada a incerteza total quanto à política económica da pessoa que será Presidente, simplesmente não sabemos o que irá acontecer e isso preocupa a comunidade financeira”, disse à Reuters o banqueiro da Dragon Capital, Serguei Fursa.

Muitas das atenções iniciais vão concentrar-se nas relações de Zelensky com o oligarca Igor Kolomoiski, cujos críticos apontam como o verdadeiro mentor da candidatura. Kolomoiski era o dono do PrivatBank, o maior banco privado da Ucrânia, até ser nacionalizado em 2016 por ordem de Poroshenko, sob suspeita de ter sido usado para lavagem de dinheiro e fraude. Durante a campanha, Zelenksii garantiu que, se fosse eleito, não iria interferir no caso que corre nos tribunais.

Os líderes da UE saudaram o novo Presidente ucraniano, mostrando-se disponíveis para continuar a apoiar o país que nos últimos anos fez da integração no bloco europeu um desígnio nacional. Numa carta assinada em conjunto pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, lembraram, porém, que “muito permanece por ser cumprido” no capítulo das reformas, sobretudo no combate à corrupção, no sector energético e no sistema judicial.

A Rússia também olhou com especial atenção para as eleições presidenciais ucranianas. A deposição do ex-Presidente Viktor Ianukovitch, em 2014, desencadeou uma série de acontecimentos que culminaram com Kiev e Moscovo de costas voltadas e perto de um conflito aberto. Com a entrada em cena de Zelensky, que não revelou como pretende relacionar-se com a Rússia, o Kremlin espera poder ensaiar uma reaproximação.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que, de momento, seria prematuro o envio de saudações do Presidente russo, Vladimir Putin, a Zelensky pela eleição e sublinhou que Moscovo fica a aguardar “acções concretas”. Antes, o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, tinha admitido que “há hipóteses de haver um melhor relacionamento” com Zelensky.

Legislativas em Outubro

De qualquer forma, com ou sem programa de Governo, o novo Presidente irá estar de mãos atadas nos primeiros meses do seu mandato. Para Outubro, estão marcadas eleições legislativas para a formação de um novo Parlamento que será crucial para determinar a liberdade de acção de Zelensky. Apesar de os seus aliados terem fundado um partido, não é ainda claro se irá concorrer às eleições.

O cenário de um Parlamento dominado por uma maioria próxima de Poroshenko – que garantiu que não irá abandonar a política – iria tornar o panorama político ucraniano ainda mais caótico.

“O novo Presidente necessita de uma coligação maioritária e funcional no Parlamento para aprovar políticas, o que significa que o seu objectivo prioritário, e o dos seus aliados, serão as eleições legislativas”, antevê o analista do Centro Carnegie, Balazs Jarabik. “A batalha pelo futuro da Ucrânia irá ser retomada no primeiro dia após as eleições.”

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