Lições de uma Páscoa das catástrofes
O incêndio de Notre-Dame, a crise dos combustíveis e o desastre rodoviário na Madeira deveriam servir como um manual exemplar de prevenção.
Três acontecimentos dominaram os noticiários nacionais ao longo desta semana de Páscoa, suscitando estupefacção e motivando lições convergentes não obstante a sua diversidade: o terrível incêndio de Notre-Dame; a crise do abastecimento de combustíveis que provocou um súbito ataque de nervos em Portugal e que ninguém soube prevenir; finalmente, o mais mortífero desastre rodoviário de sempre na Madeira, onde perderam a vida 29 turistas alemães. Que teremos então aprendido com tudo isso?
Apesar da divina providência que supostamente deveria protegê-la, a imprevidência dos homens não salvou Notre-Dame da catástrofe – a maior que a catedral gótica mais emblemática (e amada) da Europa sofreu ao longo de oito séculos. Foi também a imprevidência que explica as proporções assumidas pela greve dos camionistas de combustíveis, desde logo uma profissão quase marginalizada no país, mas capaz de paralisá-lo e lançar o pânico de norte a sul. Tal como foi ainda a imprevidência que levou um autocarro em falha técnica a cair numa curva sem protecção, projectando dezenas de passageiros para uma morte tétrica.
Não seria imaginável que um monumento com a importância, o fulgor e a carga afectiva de Notre-Dame, além do mais em trabalhos de restauro há mais de uma década, estivesse de facto tão vulnerável a uma tragédia com as proporções daquela que a atingiu.
Não seria concebível que uma greve de camionistas transportando combustíveis perigosos pusesse a nu as extremas fragilidades estratégicas (mais uma!) do país em matéria de abastecimento energético. Só agora se notou, por exemplo, que o aeroporto de Lisboa está dependente desse abastecimento por camiões quando a construção de uma tubagem para o transporte de combustível, como existe em qualquer aeroporto de uma capital europeia, implicaria um investimento de 10 milhões de euros, uma gota no oceano dos milhares de milhões gastos na maior rede viária da Europa em termos de relação por habitante.
Por fim, um desastre com a dimensão daquele que provocou a morte de quase trinta cidadãos alemães na Madeira só por um verdadeiro milagre não ocorreu anteriormente em locais ainda mais perigosos e expostos numa ilha de orografia muito caprichosa mas onde faltam, de forma gritante, os cuidados de prevenção adequados (a vertigem das vias mais ou menos rápidas do jardinismo não foi de todo acompanhada por um plano de protecção à altura dos novos perigos).
Claro está que não há prevenções mágicas que impeçam toda e qualquer catástrofe. Mas as lições daquilo que ocorreu nesta semana de Páscoa – e para além dos desfechos menos terríveis que os acontecimentos acabaram, apesar de tudo, por ter – deveriam servir como um manual exemplar de prevenção.
Macron poderá capitalizar politicamente a reconstrução de Notre-Dame, mas isso não extingue o rasto trágico da sua destruição (ainda que, felizmente, parcial). António Costa terá motivos para celebrar o happy-end da crise dos combustíveis depois de três ministros, pelo menos, terem batido com a cabeça contra a parede antes de um quarto conseguir negociar um compromisso, mas isso não apaga a imagem da vulnerabilidade energética nacional (e a obsessão centralista do Governo, novamente exposta pelas medidas de combate à crise). Finalmente, se as autoridades madeirenses têm razões para congratular-se pela forma como souberam reagir à tragédia, isso não as isenta de um confronto com os perigos por vezes terríveis que as estradas da região expõem a quem a visita ou a quem nela vive. Há sempre motivos para aprender com aquilo que não soubemos prever.