Como os portugueses propagaram o cristianismo pelo antigo Ceilão
Reza a história que, pouco depois de chegarem à Taprobana de Camões, os portugueses construíram uma pequena capela e aí celebraram missa. Desde então, “em todos os tratados que se ratificaram entre a coroa portuguesa e os reinos locais figurava uma cláusula que assegurava a liberdade para evangelizar o povo cingalês.”
Os cristãos, cujos templos foram atacados este domingo de Páscoa, somam 1,5 milhões num país de 21,44 milhões de habitantes. Cerca de 70% da população do Sri Lanka identifica-se como budista, 12,6% como hindu, 9,7% como muçulmana e 7,4% como cristã (6,1% católica).
Não será totalmente pacífico dizer que os portugueses introduziram o cristianismo na ilha. Na entrada sobre Ceilão do Dicionário de História Religiosa de Portugal, assinada por Silvana Roque de Oliveira, pode ler-se que “alguns autores defendem que o cristianismo foi levado para a ilha por S. Tomé ou por S. Bartolomeu”. E que outros “sustentam que teria sido pelo etíope que S. Filipe converteu”. Certo é que foi com os portugueses que se deu aquilo a que a investigadora chama de “encontro consequente entre a cristandade e a civilização cingalesa”.
Os portugueses desembarcaram na ilha em 1506, comandados por D. Lourenço de Almeida, filho do vice-rei da Índia, D. Francisco de Almeida. O Ceilão era conhecido desde a Antiguidade por Taprobana. E, para lá das pedras preciosas e da canela aromática, tinha uma aura fantástica, mítica.
Numa montanha cónica, de 2243 metros, há um lugar sagrado para budistas, hindus e muçulmanos: uma pegada gigante impressa numa rocha. Os muçulmanos acreditam que é a marca do pé do primeiro homem, Adão, que ali aterrou depois de ter sido expulso do Paraíso. Os budistas julgam que é de Buda. E os hindus que é de Xiva. Prosseguem até hoje as peregrinações ao Pico de Adão.
No século XVI, havia vários reinos budistas, incluindo Cote, onde desembarcaram os primeiros portugueses. Escreveu Benjamim Videira Pires, no livro Taprobana e mais além – presenças de Portugal na Ásia, que, “por acordo escrito em folhas de oiro, o rei cingalês concedeu a Portugal 300 arráteis de canela por ano em paga de protecção dos seus portos, autorizou a colocação de um padrão […], duma capela e duma feitoria”.
Reza a história que logo naquele primeiro encontro terá sido erigida uma pequena capela na capital, Colombo, e aí celebrada uma missa. Escreve Silvana Roque de Oliveira que desde “então, em todos os tratados de amizade e comércio que se ratificaram entre a coroa portuguesa e os reinos locais figurava uma cláusula que assegurava a liberdade para evangelizar o povo cingalês.”
Pelo que refere Silvana Roque de Oliveira, os primeiros anos terão sido pouco significativos no que diz respeito a evangelização. A missionação, ali como noutras partes do Oriente, “só se tomaria sistemática na década de 1540”. Os escravos que se fizessem cristãos libertavam-se. Em troca de favores militares, converteram-se também alguns reis locais e com eles as suas cortes.
Os portugueses e o budismo
“Os portugueses perceberam muito mal o budismo”, lê-se num texto intitulado Taprobana, da autoria do historiador Paulo Varela Gomes e do realizador Camilo Azevedo, co-autores d’ “O Mundo de Cá”, série documental sobre o chamado “encontro de culturas” entre os portugueses e os povos do Oriente emitida pela RTP. “Confundiram-no com as religiões que tinham encontrado na Índia, religiões com muitos deuses, a que chamavam o gentilismo.” Havia até quem pensasse que Buda era uma versão deturpada de São Tomé e o budismo uma deturpação do cristianismo.
Tudo se alterou no século XVII. Os holandeses apoderaram-se pouco a pouco das posições portuguesas e com eles “toda a espécie de interditos, de que se pode destacar o de 19 de Setembro de 1658, que proibia, sob pena de morte, que se albergassem ou ocultassem sacerdotes católicos”, recorda Silvana Roque de Oliveira. Ao longo do século XVIII, repetiram-se as proibições. E foi havendo alguma resistência.
Ceilão passou a colónia inglesa em 1802. Tornou-se independente em 1948. Adoptou o nome de Sri Lanka em 1972. A guerra civil, desencadeada pelos grupos independentistas Tamil, arrastou-se de forma intermitente entre 1983 e 2009. Desde o fim do conflito, a violência tornou-se esporádica.
A minoria cristã mantém os seus rituais. O Papa Francisco visitou o país no princípio de 2015. Pediu então pela paz e pela reconciliação.