O discurso de resposta aos Coletes Amarelos segue dentro de momentos
O “grande debate nacional”, resposta ao movimento de reivindicação, ficou adiado. Era um ponto de viragem, mas este ponto pode ter sido, afinal, o incêndio de Notre-Dame.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, tinha preparado um anúncio aos franceses sobre as medidas que pretendia concretizar após o que chamou o “grande debate nacional”, a sua resposta aos protestos do movimento dos Coletes Amarelos. Ia gravar este anúncio quando começou o incêndio na catedral de Notre-Dame, em Paris.
A declaração foi suspensa e em vez disso foi um Presidente em choque que falou aos franceses prometendo reconstruir a catedral. No dia seguinte, terça-feira, deu um prazo para esta reconstrução: cinco anos. “Vamos agir e vamos conseguir.”
Nos media, lado a lado destas declarações, apareceram notícias sobre o que iria dizer o Presidente no discurso inicialmente previsto, com medidas como a abolição da escola que ele próprio frequentou, a Escola Nacional de Administração, onde estudaram inúmeros políticos, como parte de uma tentativa de redução de elitismo na sociedade francesa, segundo o Financial Times.
O diário francês Libération mencionava também o regresso da indexação à inflação de pensões de reforma abaixo de 2000 euros, uma moratória de encerramentos de escolas e hospitais (um problema nas periferias), e medidas fiscais vagas com o objectivo de baixar a carga tributária sobre a classe média (compensadas por cortes não identificados na despesa).
Esperava-se também que no discurso Macron mencionasse pela primeira vez o nome do movimento que levou a esta discussão, os Coletes Amarelos, algo que não fez quando anunciou o “grande debate”, a 10 de Dezembro.
O incêndio fez, de algum modo, parar este debate – assim como a campanha para as eleições europeias. E abre uma possibilidade que a presidência parece estar a aproveitar: a de um ponto de viragem no mandato de Macron.
E “se este terrível incêndio tiver levado consigo o Presidente desligado da primeira parte do mandato?”, especulava a editora de política da revista Le Point, Laureline Dupont.
A jornalista Marie Le Conte foi mais longe, escrevendo na CNN: “Talvez pela primeira vez, [Macron] falou para a nação”.
Laureline Dupont nota a diferença entre o discurso típico de Macron e as suas intervenções pós incêndio. “Não obrigou ninguém a ouvi-o durante longos minutos ou longas horas”, considera. “Foi uma intervenção breve, sóbria”, descreve Dupont, “sem novilíngua, sem termos como ‘territórios’, ‘mobilidade’, ‘disrupção’, sem falar do ‘grande debate’, e com palavras simples”.
"Zona de conforto"
“O Presidente é ligado ao património. Tem sentido do imaginário e do que representa. Mostrou-o escolhendo o Louvre para celebrar a sua eleição”, comentou ao Libération uma fonte do Eliseu.
Macron “adora a França pela sua História, a França mostrada na literatura clássica, tem mil e uma ideias sobre o que a França pode ou deve tornar-se”, diz Marie Le Conte – nenhuma é a França de hoje. “Não é claro sequer que [Macron] goste dessa França que governa”.
E por isso é que o incêndio “se enquadra perfeitamente na zona de conforto de Macron”, comenta a jornalista: a catedral de Notre-Dame é “um símbolo reconhecido pelo país e pelo mundo, que mostra a França no seu melhor e o peso da sua história”.
Macron ia apresentar o resultado do seu grande debate como um ponto de viragem não só na sua presidência, “mas na república”, segundo excertos divulgados pelos media. A viragem era essencial, mas o ponto pode agora ser outro: o incêndio da catedral.
“Acredito profundamente que podemos transformar esta catástrofe numa oportunidade para reencontrar o fio do nosso projecto nacional”, disse Macron. Mas depois de meses de debate político e protestos semanais dos Coletes Amarelos ainda é demasiado cedo para saber se o poder unificador de um poderoso símbolo a arder e a tarefa da sua reconstrução será suficiente para Emmanuel Macron conseguir reinventar a sua presidência.