Lisboa e Luanda estão num vaivém diplomático nunca visto

Há uma nova forma de trabalhar em Angola. “Implementar” parece ser a nova palavra de ordem. Depois da sequência Costa-Lourenço-Rebelo de Sousa, agora o vaivém é dos ministros.

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Momento da visita oficial de João Lourenço a Portugal, em Novembro do ano passado Miguel Manso

É constante o vaivém entre Lisboa e Luanda de membros dos governos e das administrações públicas de Portugal e Angola. Depois das visitas quase coladas de António Costa, João Lourenço e Marcelo Rebelo de Sousa — nas quais foram assinados 35 documentos de cooperação — já estiveram em Portugal dois ministros angolanos e nesta terça-feira chega a Angola a ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dunem.

Em apenas seis meses, o primeiro-ministro português e os Presidentes dos dois países tiveram reuniões de alto nível nas duas capitais — um ritmo inédito nas relações bilaterais. A diplomacia portuguesa encara o triângulo de visitas como um todo e classifica-o como “triplo êxito”.

A nova dinâmica colocou o relacionamento bilateral “noutro patamar”, dizem vários diplomatas portugueses contactados nas últimas semanas, utilizando o típico jargão fleumático da diplomacia. “Não é um reset, mas mudámos de nível”, diz um diplomata que acompanha o dossier. “A máquina da administração pública angolana está mobilizada e há um novo fluxo de contactos.”

Menos de um mês após a visita de Rebelo de Sousa a Luanda, esteve em Lisboa o ministro das Obras Públicas de Angola, Manuel Tavares de Almeida; na semana passada foi a vez do ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, Adão Almeida, que está a preparar um novo modelo de gestão do território, mas também porque Angola vai ter as primeiras eleições autárquicas em 2020. Um dos protocolos assinados pelos dois chefes de Estado em Luanda, em Março, foi de cooperação a nível da administração local; e está prevista a participação do ministro angolano das Pescas​ na reunião do Oceans Meeting, em Lisboa, a 16 e 17 de Maio.

Esta terça-feira é a vez de Francisca Van Dunem iniciar uma visita oficial de três dias a Angola. Foi o anúncio do cancelamento da sua visita a Luanda em Fevereiro de 2017 que evidenciou a gravidade do problema bilateral gerado com o processo da Operação Fizz, então a correr na justiça portuguesa, que incluía entre os visados Manuel Vicente, na altura vice-presidente de Angola.

Em 2017, a viagem foi adiada a pedido do Governo angolano horas antes de Van Dunem embarcar no avião para Luanda e cinco dias após o Ministério Público português ter acusado Vicente de crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.

O “irritante” deixou as relações bilaterais praticamente congeladas. A normalização veio com a transferência do processo de Vicente para a justiça angolana. Mas a aproximação vai além do fecho desse conflito.

Há um novo ciclo político de Angola, com novas prioridades e, sobretudo, uma forma mais pragmática de abordar os dossiers, sublinham fontes de São Bento, Belém e Necessidades. “Há uma nova forma de trabalhar em Angola e a perspectiva agora é uma: implementar”, resume um diplomata. “O Governo mostra uma dinâmica mais executiva e mais operativa.”

Alguns dos mais importantes “instrumentos diplomáticos” assinados nestes seis meses tinham versões antigas acordadas, mas que estavam guardadas na gaveta há anos, à espera de ratificação da parte angolana. Sobre a visita do ministro Adão Almeida a Portugal, na semana passada, o site oficial do Governo angolano diz que o “foco da visita foi tirar do papel os acordos rubricados em Luanda” durante a visita de Estado de Rebelo de Sousa.

A convenção para evitar a dupla tributação é uma actualização do que fora acordado em 2008, mas nunca ratificado por Luanda. Desta vez, o texto foi renegociado, acordado e ratificado em poucos meses. O conselho de ministro português ratificou em Novembro de 2018, dois meses depois da visita de Costa a Luanda; e o parlamento angolano ratificou a convenção em Janeiro.

“Um tempo recorde”, sublinha um diplomata português, sublinhando como isso demonstra a vontade angolana em aplicar de forma prática o que é assinado pelos políticos. Com esta ratificação, Portugal é o primeiro Estado-membro da União Europeia a ter um acordo sobre dupla tributação com Angola.

O mesmo se espera com a convenção sobre segurança social, assinada entre os dois países em 2003, mas nunca ratificada por Luanda. Neste novo ciclo, já foi assinado um compromisso político para se fazer a revisão do texto. O PÚBLICO sabe que já houve contactos entre delegações dos ministérios do Trabalho e Segurança Social dos dois lados.

Sinal da “nova intensidade” é a activação da comissão ministerial permanente, que reúne os quadros técnicos e directores dos ministérios dos dois lados para seguir a implementação do que é acordado a nível político. Esta comissão foi criada em 2017, mas nunca se reuniu. A primeira reunião deverá acontecer no primeiro semestre deste ano.

Esta evolução excepcional é notória na linguagem dos três comunicados conjuntos que saíram das visitas de Costa-Lourenço-Rebelo de Sousa: em Setembro, a “parceria privilegiada” entre Portugal e Angola “está a ser estabelecida”; em Novembro, já há uma “plena realização da parceria privilegiada”, e em Março, é dada como adquirida.

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