A rebelião saiu à rua e a extinção do planeta não parece ser uma opção

O movimento global Extinction Rebellion está a promover uma semana de protestos em todo o mundo para contestar “a parca acção dos governos” na luta contra as alterações climáticas. Em Portugal, já se invadiu uma televisão e interrompeu-se um ministro.

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Protesto em Londres Henry Nicholls/Reuters

Quem ligou esta manhã, 16 de Abril, o televisor na CMTV pode ter notado uma presença algo estranha nos estúdios do canal. Um grupo de activistas do movimento Extinction Rebellion, Rebelião de Extinção em português, invadiu os espaços onde estava a decorrer a emissão matinal do meio de comunicação e, enquanto seguravam cartazes e faixas, protestou contra a “permanente deturpação que alguns órgãos praticam quando relegam a questão das alterações climáticas para segundo ou terceiro grau”. Segundo João Camargo, organizador da iniciativa e activista do grupo Climáximo, que falou com o P3 após a acção, esta agenda cria na opinião pública a “percepção de que a dimensão da crise [climática] que estamos a viver não é assim tão grande quanto isso, quando na verdade não há crise maior que esta”.

O movimento iniciou segunda-feira, 15 de Abril, uma semana de protestos internacionais contra as políticas ecológicas implementadas pelos organismos governamentais que, segundo os ambientalistas, levaram ao “actual estado de emergência climática”. Presente em mais de 300 cidades, pretende promover “acções directas não violentas” que já estão confirmadas em pelo menos 35 países.

Em Portugal, os líderes da organização, embora coordenem as operações a nível nacional, não têm conhecimento das acções promovidas localmente por indivíduos independentes, numa tentativa de descentralizar as acções de protesto. Estes grupos, que promovem actos isolados de rebelião, apenas comunicam as suas iniciativas às chefias poucos minutos antes destas acontecerem ou já depois de finalizadas.

Como objectivos para as manifestações nacionais, a representação da Rebelião de Extinção em Portugal anunciou três pontos-chave: forçar o Governo a dizer a verdade sobre a actual situação ambiental; reclamar uma redução drástica das emissões de gases com efeito de estufa através de uma transição energética justa; e promover esta mesma transição através de uma democracia participativa ou directa.

No que diz respeito ao primeiro ponto, que visa “forçar o Governo a dizer a verdade” sobre as medidas que “estão ou deviam estar a ser implementadas”, Sinan Eden, activista do Climáximo e promotor do movimento em Portugal, garante que “neste momento não é o que está a acontecer”. Como exemplo, aponta o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, anunciado pelo executivo em Dezembro de 2018, no qual “o Governo se compromete com metas que não vai cumprir” e que são “irrealistas".

O balanço do primeiro dia

A sede da Nestlé, em Lisboa, foi o primeiro palco de um conjunto de acções que o movimento está a prever para esta semana em Portugal. Os cerca de 15 manifestantes montaram uma rede de plástico na entrada dos escritórios da empresa como forma a recriar a ideia de que os “milhões e milhões de toneladas de plástico lançadas pela empresa aos oceanos ao longo das últimas décadas já chegaram às suas próprias porta da empresa”.

Um dos manifestantes presentes no protesto foi Matias Garcia, estudante da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que actualmente se encontra a desenvolver uma tese de mestrado sobre alterações climáticas. Segundo Matias, a escolha da Nestlé prende-se com um estudo realizado recentemente pelo movimento Break Free From Plastic, cujo objectivo era detectar a origem de resíduos recolhidos nas águas dos oceanos nos diferentes pontos do mundo. Como resultado deste ensaio, chegou-se à conclusão que a Nestlé, juntamente com Coca-Cola e Pepsi, era a multinacional que mais contribuía para isso.

Segundo Matias, perante os protestos que se realizavam à porta das suas instalações, a empresa optou por receber os manifestantes e, através dos responsáveis pela comunicação, fez saber que já reduziu “o equivalente a uma colher” o plástico presente nas embalagens que produz. Mesmo assim, a reacção dos manifestantes não foi entusiástica, com muitos a apelidar a medida de “insuficiente”. O mesmo feedback mereceu o anúncio emitido pela empresa, em Janeiro, em que se compromete a tornar 100% das suas embalagens recicláveis até 2025, uma meta que para Matias “está muito distante”.

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Manifestantes à porta do Four Seasons Hotel, em Lisboa, na segunda ação do dia Extinction Rebellion Portugal

Já a propósito da European Climate Summit, realizada no Four Seasons Hotel em Lisboa, um grupo de cerca de 50 activistas mostrou o seu descontentamento pelo protagonismo dado à IETA (International Emissions Trading Association) na cimeira, uma entidade que “mercantiliza as emissões dos gases poluentes” e que integra empresas como a BP, a Chevron ou a Iberdrola, diz ao P3 João Reis, um dos organizadores.

À porta da unidade hoteleira foi possível ver corpos de manifestantes “ensanguentados”, uma alusão tanto ao “ecocídio que vivemos actualmente”, como às vítimas do flagelo das alterações climáticas, um fenómeno que, diz o activista, se manifestou com toda a intensidade na cidade da Beira, em Moçambique, com o ciclone Idai. Na opinião de João, Beira foi, de facto, “a primeira cidade destruída pelas alterações climáticas”.

Ainda no decorrer dos trabalhos da cimeira, manifestantes irromperam por uma das salas onde se encontrava o ministro do Ambiente e da Transição Energética. Aquando do discurso de Matos Fernandes, um dos participantes no protesto acusou o Governo de “não medir as alterações climáticas” e reclamou uma abordagem mais atenta e ampla para o tema. Já depois de terem sido convidados a abandonar a sala, os protestantes concluíram a acção com a frase “É a nossa vida que está em risco!”.

Questionado sobre as futuras iniciativas do movimento em Portugal, João disse apenas que “estão a ser preparadas acções em massa por todo o país”. Para já, sabe-se que no sábado, 20 de Março, se vai realizar uma acção em frente ao centro comercial Via Catarina, no Porto.

À volta do mundo                                      

Lisboa está longe de ser a única cidade europeia a acolher protestos do género. Em Londres, por exemplo, milhares de pessoas ocuparam e bloquearam pontes e ruas na segunda-feira. O objectivo era causar um grande grau de perturbação ao normal tráfego da capital britânica. A sede da empresa Shell, também na capital inglesa, foi um dos alvos da ira dos manifestantes que bloquearam o acesso às instalações. Ao início da noite contabilizava-se uma dezena de detenções.

Em Londres houve detenções Henry Nicholls/Reuters
Protestos em Londres Henry Nicholls/Reuters
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Em Londres houve detenções Henry Nicholls/Reuters

Em Madrid, os activistas impediram o acesso à sede da empresa energética de origem espanhola, Repsol. E na Suécia, país de Greta Thunberg, cerca de 100 manifestantes deitaram-se no chão em frente ao Parlamento, de forma a simular corpos humanos mortos, numa alusão às espécies que já desapareceram devido às alterações climáticas. Posteriormente, formaram uma “parede humana” para impedir o acesso à parte antiga da cidade de Estocolmo, o que gerou alguns conflitos entre activistas e transeuntes.

Do outro lado do mundo, em Melbourne, na Austrália, manifestantes também expressaram o seu descontentamento ao bloquear uma das principais rotas de transporte da cidade, assegurando passagem apenas aos ciclistas. As filas de trânsito começaram rapidamente a formar-se, dando origem a quilómetros de engarrafamentos. Os activistas aproveitaram os períodos de espera para sensibilizar os condutores.

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