Mariana usou um “nariz electrónico” para detectar asma — e ganhou um prémio

Mariana Farraia, bolseira do Instituto de Saúde Pública da U. Porto, foi premiada por estudo em que usou um “nariz electrónico” para detectar asma em contexto clínico. Jovem investigadora já tinha dado nas vistas no Concurso de Jovens Cientistas.

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Mariana Farraia tem 24 anos e é bolseira do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto Inês Fernandes

Com apenas 24 anos, Mariana Farraia já tem o nome inscrito na lista dos investigadores reconhecidos pela Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica (EAACI, na sigla em inglês). A jovem, natural de Ovar, foi premiada, em Fevereiro, por causa da investigação Human Volatilome Analysis To Identify Individuals With Asthma In Clinical Settings, desenvolvida no âmbito da sua tese de mestrado, realizada sob a tutela do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, onde hoje é bolseira. Em entrevista ao P3, Mariana explica que o estudo visava “testar um aparelho, o ‘nariz electrónico’, para avaliar o ar exalado das pessoas diagnosticadas com asma ou que se suspeita que tenham asma”.

Para a investigação em questão, desenvolvida entre 2017 e 2018, Mariana contou com a participação de 207 voluntários que foram recrutados no Centro Hospitalar de São João, no Porto. Ao usar o dispositivo, a investigadora e a equipa encontraram “diferenças entre as pessoas que tinham mais sintomas respiratórios e as que reportavam menos sintomas”. Com isto, ficou provado que o “nariz electrónico” pode ser usado em contexto clínico “para distinguir pessoas com asma, ou mesmo sem asma, que tenham mais ou menos sintomas e que a nível inflamatório possam ter alguma anormalidade”. O aparelho pode também representar uma ajuda importante na hora de propor um tratamento ao doente, já que permite adequar as terapias às variantes detectadas.

Em Novembro de 2018, Mariana apresentou o trabalho em Madrid, Espanha, participando depois noutro congresso organizado pela EAACI em Trysil, Noruega, onde o estudo foi premiado: “É sempre bom, principalmente ao fim de um ano de investigação. Ao concorrermos a este tipo de congressos, que servem para incentivar as pessoas a continuar o trabalho, é-nos dada a oportunidade de ir lá fora apresentar o nosso projecto, mas também estabelecer contacto com outras pessoas.” As críticas recebidas nestes contextos não incomodam a investigadora, que prefere encará-las como “oportunidades para melhorar”. 

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Aparelho avalia o ar exalado das pessoas diagnosticadas com asma ou que se suspeita que tenham asma Inês Fernandes

A entrega de prémios a investigadores portugueses representa, muitas vezes, uma das raras ocasiões em que o trabalho desenvolvido por esta classe profissional é alvo de atenção por parte da sociedade civil. Na opinião de Mariana, a responsabilidade deste alheamento deve ser atribuída aos próprios investigadores, mas também ao jornalismo. “Acho que, em todos os projectos de investigação, sempre que há resultados novos, estes deveriam ser divulgados através dos investigadores, que deveriam chegar-se à frente para tentar difundi-los na comunicação social, e através da comunicação social, que deve procurar os grupos de investigação e perguntar por novos resultados. Acho que deve ser um esforço das duas partes.”

O pouco conhecimento da população sobre o trabalho que os investigadores desenvolvem pode estar, na opinião de Mariana, na origem do pouco reconhecimento que lhes é dado. “A comunidade não sabe bem o que é que os investigadores fazem, o trabalho por trás — nomeadamente os meses e anos de trabalho —, a importância de ganhar projectos e de os atrair para Portugal. Talvez seja por isso que o trabalho dos investigadores não é reconhecido… não sei se reconhecimento será a palavra certa, acho que é mais desconhecimento da comunidade pelo trabalho que existe ao nível da investigação científica.”

Colmatar as falhas curriculares com iniciativas juvenis

Se a sabedoria popular diz que “de pequenino é que se torce o pepino”, o percurso de Mariana Farraia parece confirmar o ditado. Afinal de contas, tinha apenas 15 anos quando na Escola Secundária Júlio Dinis, em Ovar, se juntou ao clube de ciências, uma iniciativa do professor de Biologia, Carlos Oliveira, para tentar contrariar o fim da disciplina Área de Projecto. 

Foi neste contexto que Mariana desenvolveu, juntamente com os seus colegas, os três projectos com que participou na Mostra Nacional de Ciência, entre 2011 e 2013. Estreou-se com uma investigação sobre a “biorremediação de solos e água com microalgas"; no segundo e no terceiro ano, dedicou-se à “possibilidade de os líquenes serem bioindicadores de poluição ambiental”. Para isso, recorreu primeiro a amostras dos pinhais da zona onde habitava para “relacionar a quantidade de líquenes e o número de espécies com a poluição ambiental existente”; depois, a contagem foi feita “em solo dunar para perceber se havia uma relação entre os líquenes que se desenvolvem nas dunas e a erosão costeira”. 

Para a investigadora, faltam mais acções para aproximar os estudantes da Ciência, sobretudo tendo em conta o pouco destaque que é dado à investigação nos programas curriculares. “Realmente é preciso ter professores muito comunicativos e que consigam trazer-nos para esta área, caso contrário não vejo muitos alunos, por vontade própria, a terem esse gosto. No momento, acho que há alguma falta de incentivo nas escolas relativamente à investigação.” E também podem ajudar iniciativas como a já referida Mostra Nacional de Ciência e o Concurso de Jovens Cientistas, que actualmente decorre, pois “reconhecem o trabalho feito em investigação, mesmo que muito básica”. “É importante para incentivar a realização de trabalhos, para que os jovens se concentrem e se sentem à mesa para delinear um projecto, criar rotina da investigação”, ressalva.

Foi também graças ao Concurso de Jovens Cientistas, promovido pela Fundação da Juventude, que Mariana acabou por participar em 2013 numa feira científica em Abu Dhabi, naquele que foi o seu primeiro evento internacional. “É sempre bom ser premiado, ir às feiras, conhecer outras pessoas, conhecer o que é que se faz noutras escolas, conhecer outros projectos que estão a ser feitos para tirar ideias e continuar no ano seguinte a tentar participar nesse tipo de eventos.”

Também o associativismo constituiu uma parte importante da vida de Mariana Farraia, com a jovem a presidir à Associação Juvenil de Ciência (AJC) entre 2015 e 2017. “São pessoas jovens, geralmente nos primeiros anos da universidade, que organizam actividades para alunos do secundário e também das universidades”, descreve a investigadora, para quem a AJC teve um “impacto muito grande na hora de escolher o curso e seguir investigação”. O associativismo, diz, é uma “mais-valia que faz bem a qualquer pessoa”. 

Os planos futuros de Mariana passam, claro está, pela investigação, embora reconheça o carácter “instável" que a área da ciência pode ter. A jovem quer dar continuidade ao trabalho que desenvolveu centrado no potencial do “nariz electrónico” e aproveitar as portas que lhe possam ser abertas depois do prémio que conquistou.

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