Da habitação ao emprego, ainda há muito a fazer na integração das comunidades ciganas
Quatro deputados da subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação visitaram Coimbra. Osvaldo Grilo, da Associação Cultural Cigana de Coimbra, alerta para o perigo de exclusão.
Elisabete Afonso tem 29 anos, não sabe ler nem escrever. Na casa onde vive, com cozinha, casa de banho, sala e dois quartos, vivem mais dois adultos e as suas quatro crianças. Mora às portas de Coimbra, no Centro de Estágio Habitacional, mais conhecido como Parque Nómada, projecto camarário de alojamento temporário destinado a pessoas que vivam em barracas ou carrinhas. Ali não chegam transportes públicos, faz notar à deputada socialista Catarina Marcelino.
A deputada integrou uma comitiva da Assembleia da República, composta também por Elza Pais (PS), José Manuel Pureza (BE) e Ana Oliveira (PSD), da subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação, que visitou esta segunda-feira vários pontos de Coimbra, no trabalho de campo para a elaboração do primeiro relatório parlamentar sobre racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial.
No bairro de casas térreas pré-fabricadas em madeira, moram actualmente sete famílias, mas há quatro disponíveis. “Tentamos que uma família vá saindo todos os anos”, afirma a directora do departamento municipal de desenvolvimento social e ambiente, Rosa Santos. Depois de darem entrada, as famílias deverão passar por um processo de avaliação para que lhes seja atribuída habitação. Nem sempre é possível, refere o vereador da habitação da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), Francisco Queirós, pois a oferta de habitação camarária é diminuta para as “centenas e centenas de pedidos”.
Supostamente, a estadia é temporária e, em teoria, o Centro de Estágio Habitacional não se destina apenas a famílias de etnia cigana. Mas na prática nem tudo funciona como previsto. As casas têm sido habitadas por famílias ciganas e há o caso de Elisabete Afonso, que está ali há nove anos.
Apesar de encontrar pontos positivos, Osvaldo Grilo, da Associação Cultural Cigana de Coimbra, considera que podia estar a ser feito mais. “Não quer dizer que a câmara não se empenhou”, mas entende que o caminho a trilhar para a inclusão deve ser outro.
Quando é questionada por Catarina Marcelino, a relatora do documento parlamentar, sobre as suas necessidades, Elisabete Afonso, com uma criança ao colo, responde que gostaria de sair dali, para uma casa com horta e lareira. Mas há questões mais imediatas. O marido não tem carta e não há ligações à cidade nas imediações. “Queria ter autocarros, para as crianças não irem a pé à chuva” para a escola, aponta.
Sem serviços e comércio
Também não há serviços e comércio. Perto da estrutura que começou a ser construída em 2003, à margem da Estrada Nacional 111-1, está o centro de estágio da Académica, um armazém municipal, uma bomba de gasolina e pouco mais. Um problema apontado por Osvaldo Grilo. “Não há nada ali. Se há pessoas em risco de exclusão ou excluídas”, o facto de estarem isoladas vai piorar a situação, afirma.
Depois há a dificuldade no acesso ao emprego. Osvaldo Grilo defende uma maior ligação entre quem está no terreno e o poder local e aponta “casos de sucesso” como Torres Vedras ou Figueira da Foz. Os dois municípios assinaram a carta de compromisso com o programa ROMED, que promove cooperação entre comunidades ciganas e instituições públicas, ao ponto de já haver membros das comunidades no ensino superior. Isto ao contrário de Coimbra, que não assinou a carta, apesar de se ter colocado essa hipótese em 2014, afirma Grilo. Nenhum dos três vereadores presentes explicou o motivo.
Na questão do emprego, Catarina Marcelino aponta que as várias comunidades se deparam com desafios diferentes. No caso dos afrodescendentes, o problema está relacionado com o trabalho indiferenciado e não qualificado, exemplifica. A comunidade cigana tende a ter dificuldades no acesso ao mercado de trabalho, diz.
Um entrave que começa no ensino. Na Escola Básica do Ingote, na qual cerca de metade dos 30 alunos são ciganos, os deputados ouviram os professores falarem na necessidade de dar perspectivas de futuro às crianças. Um trabalho que, defendem, começa com a qualificação dos pais.
O relatório da subcomissão deverá ser apresentado até Julho, diz Catarina Marcelino, e tem como objectivo “estabelecer hipóteses e apontar caminhos”. Estando a aproximar-se o fim da legislatura, aponta a deputada, pode também servir como um instrumento de reflexão para que os partidos políticos formulem propostas e as incluam nos seus programas eleitorais.