Decisores defendiam interesse do Estado quando legislavam sobre EDP, diz Santana Lopes
Processo legislativo dos CMEC “atravessou, pelo menos, três governos, a Assembleia da República e o então Presidente da República”, Jorge Sampaio, que não viu “nada de errado ou incorrecto”.
O antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes defendeu que todos quando decidiam sobre a EDP e o sector energético pensavam e sentiam que estavam a decidir, principalmente, no interesse do próprio Estado, justificando assim opções políticas à época.
Esta posição é defendida nas respostas que Santana Lopes deu hoje, por escrito, à comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de electricidade, documento a que a agência Lusa teve acesso, depois de Durão Barroso ter sido o primeiro antigo chefe de executivo a responder aos deputados.
“Se me permitem, atrevo-me a adiantar uma razão para essas opções, de acção ou omissão, na altura, de vários órgãos de soberania. A meu ver, todos quando decidiam sobre a EDP e o sector energético em geral pensavam e sentiam que estavam a decidir, principalmente, no interesse do próprio Estado que tinha então posição accionista relevante, nomeadamente na EDP”, afirmou Santana Lopes.
Para o antigo governante, que liderou o executivo que aprovou o decreto-lei 240/2004, que criou o regime dos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), “esse é o ponto-chave”.
“E o problema de se querer escrever a história, 15 anos depois de ter acontecido, é que já poucos conseguem reconstruir o quadro em que foram tomadas as decisões. [...] O tempo, como se vê na actualidade, em vários assuntos que têm estado na ordem do dia, muda regras, parâmetros, critérios e exigências”, alertou.
Ainda assim, Santana Lopes não tem dúvidas de que “o interesse público, tal como se afigurava na época, foi devidamente assegurado por todos os que intervieram na matéria ao nível dos diferentes órgãos de soberania”.
Segundo a versão preliminar do relatório final da comissão de inquérito, redigida pelo deputado do BE Jorge Costa, o que acabou por pesar na decisão política do modelo dos CMEC, em 2003 e 2004, foi “a importância dos CAE [Contratos de Aquisição de Energia] no valor da EDP e a posição da empresa face à concorrência espanhola no futuro mercado ibérico. Ambas as preocupações devem ser lidas à luz do processo em curso de privatização da empresa”.
E realça ainda o relatório que “poucos dias depois da entrada na Assembleia da República do pedido de autorização legislativa que levava em anexo o projecto do decreto-lei que criou os CMEC, foi aprovado o decreto-lei n.º 218-A/2004, de 25 de Outubro, autorizando o aumento de capital da EDP que reduziu a participação do Estado de 31% para 25%”.
Assim, conclui, a manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso, consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do decreto-lei 240/2004.
Sampaio não viu “nada de errado”
O antigo primeiro-ministro sustentou também que o processo legislativo dos CMEC “atravessou, pelo menos, três governos, a Assembleia da República e o então Presidente da República”, Jorge Sampaio, que não viu “nada de errado ou incorrecto”.
"Quero sublinhar este ponto: tratou-se de um processo legislativo feito às claras, amplamente participado, cujo resultado foi obviamente publicado na primeira série do Diário da República. Ninguém deu por isso na época e durante todos estes anos? Só 14 anos depois, quase uma década e meia, é que há quem pretenda questionar o diploma?”, interrogou Santana Lopes.
“Quando um presidente veta é porque discorda. E quando promulga? Pelo menos, é porque não vê nada de errado ou de incorrecto”, lançou o agora presidente da Aliança.
À época, em que liderou o executivo que aprovou o decreto-lei 240/2004, que criou os CMEC, “tudo pareceu pacífico e consensual: foi concedida a autorização, foi aprovado, foi promulgado, foi publicado e, julgo, não foi requerida a apreciação parlamentar por nenhum grupo dos senhores deputados”, lembrou Santana Lopes.
O antigo primeiro-ministro esclareceu que “toda a legislação veio do Ministério da Economia e dos serviços a ele ligados”, garantindo que não teve conhecimento “dos termos da preparação dos diplomas, nem de questões com o então regulador”, que só deveriam chegar ao seu conhecimento “se fossem insusceptíveis de resolução ao nível dos ministérios e secretarias de Estado”.
“Como se pode conferir pela leitura do diploma, ele é eminentemente técnico, contendo fórmulas matemáticas a outras, que nunca são explicitadas em Conselho de Ministros seja de que governo for. Não foi comunicada qualquer reserva, antes ou depois da decisão do Conselho de Ministros, da parte das assessorias, da Presidência do Conselho de Ministros, ou das Finanças. O que não era técnico, nomeadamente as relações com os produtores de energia e a repercussão nos consumidores estava já enunciado na lei de autorização legislativa”, detalhou.
A observação que faz à promulgação pelo então Presidente da República é extensível à Assembleia da República, uma vez que se não pediu qualquer apreciação parlamentar do diploma “terá sido certamente também porque não viram nada que pusesse em causa o interesse público"