Militares voluntários ou contratados insuficientes e insatisfeitos
A secretária de Estado não adianta quantos militares estão “em falta”, mas acredita que a tendência possa ser revertida. O número de efectivos tem vindo a diminuir desde que o serviço militar deixou de ser obrigatório, e mais ainda nos últimos dez anos.
Os militares portugueses em regime de voluntariado ou contrato estão insatisfeitos com o percurso profissional nas Forças Armadas (FA), especialmente no Exército, mas os três ramos queixam-se também de baixos salários. As conclusões são de um trabalho que juntou académicos e especialistas do Ministério da Defesa e que esteve na base de um plano de acção para a profissionalização do serviço militar, que é apresentado esta sexta-feira.
Com o plano, o Governo pretende reverter a cada vez mais baixa adesão dos jovens ao serviço militar, que há 15 anos deixou de ser obrigatório. O estudo começa por referir esse facto, a “marcada contracção” que se tem verificado no efectivo dos militares contratados e voluntários, especialmente no Exército.
“Ecfetuando um contraste directo entre 2008 e 2018, evidencia-se que a Marinha diminuiu o seu efectivo em 59%, o Exército em 34,6% e a Força Aérea em 36,6%”, diz-se no estudo, no qual se mostra que o Exército chegou a ter, em 2010, cerca de 14.000 militares voluntários e contratados, terminando 2018 com menos de 7500.
O estudo faz uma caracterização sociodemográfica dos militares e o que os motivou a ir para as FA, e na satisfação diz que os níveis “não são muito elevados” quanto ao percurso profissional.
Segundo o trabalho, na Marinha 60% dos militares inquiridos mostraram-se insatisfeitos com o salário, queixando-se também das condições de apoio e das perspectivas de carreira e tarefas que desempenham.
No Exército os militares “mostraram baixos níveis de satisfação na generalidade dos indicadores” e na Força Aérea queixaram-se do factor remuneratório.
Para caracterizar os militares em regime de Voluntariado e Contrato (o estudo incide apenas sobre estes) foram ouvidos 5136 elementos do Exército, 1366 da Força Aérea e 819 da Marinha. O estudo foi coordenado pelo Ministério da Defesa e teve a coordenação científica de Helena Carreiras, especialista em sociologia militar, do ISCTE-IUL.
Os responsáveis apontam para a necessidade de uma reforma estrutural da formação profissional, um reforço na eficácia dos processos de reinserção, após o tempo de serviço militar, um aumento do número de mulheres nas FA, melhores condições de habitabilidade e apoio nas unidades militares, e “maior integração e coordenação nos processos de comunicação da profissão militar”.
O estudo mostra ainda que os militares em regime de voluntariado e contrato são 86% homens, sendo a Marinha o ramo com mais mulheres. Os níveis de escolaridade subiram significativamente em relação a um estudo de há dez anos.
Em termos gerais o estudo denota que há uma percentagem de militares que dizem que o trabalho que fazem não se relaciona com a especialidade (no Exército foram 30%), e que olhando para os três ramos é a Força Aérea com resultados (de satisfação) mais positivos, seguida da Marinha.
Quanto ao futuro, a maioria dos militares ouvidos da Marinha e da Força Aérea disse gostar de entrar nos quadros da FA. No Exército só 9,6% disse que queria ficar, com a maioria a dizer que queria entrar para as forças de segurança. O estudo tem como título “Militares RV/RC: Características e Percepções”.
Necessários mais militares mas plano a apresentar pode resolver
A secretária de Estado da Defesa reconhece que é necessário aumentar o recrutamento para o serviço militar e diz que tal vai acontecer com medidas a anunciar esta sexta-feira, seja na formação e qualificação, seja na inserção na vida civil.
Segundo o estudo, o número de efectivos tem vindo a diminuir desde que o serviço militar deixou de ser obrigatório, mas especialmente nos últimos dez anos. O plano será apresentado durante o seminário “Serviço Militar: Escolher um Futuro”, que irá decorrer ao longo de todo o dia em Lisboa.
Em entrevista à agência Lusa, a secretária de Estado, Ana Pinto, reconheceu que “tem existido uma contracção do efectivo em regime de contrato ou em regime de voluntariado”, mas salientou que este plano contempla medidas para inverter a situação e para cada ramo das Forças Armadas (FA).
E, com esse plano a cinco anos, acrescentou, espera-se capacidade para recrutar jovens e capacidade para os reter mais tempo.
“E temos várias medidas, designadamente o Regime Especial de Contrato, que alarga a capacidade de permanência no período de tempo ao serviço nas FA, e queremos ter também essa capacidade de reinserir esses profissionais no mercado de trabalho, quando termina o contrato. Temos uma série de medidas que procuram qualificar e certificar a formação que é dada nas FA para depois serem aplicadas no mercado de trabalho e inserir estes trabalhadores altamente capacitados e qualificados”, resumiu a secretária de Estado.
Nas palavras de Ana Pinto, pretende-se com o “pacote” de medidas tornar as FA atractivas e dar a conhecer melhor o percurso profissional que pode ser desenvolvido.
“Devemos ter em atenção que ao longo dos últimos dez, 15 anos há uma transformação significativa do ponto de vista da comunicação. Os jovens hoje não recebem os mesmos instrumentos de comunicação e não interpretam as mensagens da mesma forma que o faziam há 25 anos. É necessário desde logo estabelecer uma estratégia de comunicação que promova a imagem harmonizada das FA orientadas para o público-alvo”, disse.
Da estratégia, referiu, faz parte por exemplo permitir que eventuais candidatos a seguir o serviço militar o conheçam com antecedência, ou ter uma primeira experiência através de estágios profissionais.
A secretária de Estado lembrou que neste “pacote” insere-se também a medida já aprovada sobre o regime de contrato especial, que tem hoje um limite mais alargado, até aos 18 anos.
“É um elemento fundamental e estamos a trabalhar nessa regulamentação, de como isso se aplica aos vários ramos”, disse.
Na entrevista, a responsável explicou que a figura que vai ser criada de gestor de carreira dos militares dos regimes de voluntariado e contrato é uma espécie de tutor que vai apoiar os jovens a fazer escolhas na carreira.
E, se o plano pretende atrair e manter os jovens nas FA, tem também uma preocupação com o depois das FA.
Ana Pinto considerou importante a reinserção no mercado de trabalho civil, havendo para isso gabinetes de orientação e de apoio.
A governante salientou que o plano insere-se num “trabalho muito significativo” que tem vindo a ser feito, da revisão do regime de incentivos à regulamentação do apoio às propinas ou à recente medida de inserção dos militares no contrato de emprego (quando um militar termina o serviço nas FA vai para o centro de emprego e a empresa que o contrata tem benefícios do ponto de vista fiscal).
Das medidas que serão apresentadas, Ana Pinto destacou ainda a criação do Observatório do Serviço Militar (para diagnóstico e aperfeiçoamento e melhoria dos objectivos) e do Portal do Recrutamento (com uma mensagem adaptada às novas gerações e fácil de utilizar).
A secretária de Estado não adiantou quantos militares estão “em falta”, mas disse acreditar que o plano apresentado nesta sexta-feira “irá inverter este decréscimo e capacitar as FA do ponto de vista dos recursos humanos”.