Hugo Messias: “As duas primeiras ‘estrelas’ a que apontei eram, afinal, Júpiter e Saturno”
O astrofísico Hugo Messias foi uma das pessoas que ajudaram na recolha e tratamento dos dados através dos quais foi gerada a primeira imagem de um buraco negro, que mora na distante galáxia M87. O português falou ao P3 sobre a imagem histórica e a carreira no Chile, onde vive.
Hugo Messias é um dos cientistas da equipa do observatório ALMA incorporado no projecto EHT (Event Horizon Telescope), que revelou esta semana a primeira imagem de um buraco negro. O anel brilhante a desenhar a silhueta da misteriosa sombra numa distante galáxia — a M87 fica a 55 milhões de anos-luz da Terra — correu o mundo em segundos. O nome de Hugo — como “o português envolvido na descoberta” — fez eco em Portugal. O P3 falou com ele esta quarta-feira, 10 de Abril, entre entrevistas com rádios e directos de televisão por Skype. Ficaram algumas pontas soltas. A conversa acabou por prosseguir esta sexta-feira, 12, quando, por email e com mais tempo, nos respondeu a algumas das questões que lhe tínhamos colocado. A partir do Chile, onde se encontra a trabalhar no observatório ALMA, lembrou o passado de criança quando viu as “duas primeiras estrelas” no céu do Ribatejo. Sobre o presente, falou do que se vê e do que falta na imagem do anel de luz revelada pelo EHT. E, por fim, hesitou sobre o futuro incerto, que tanto pode passar por ficar no Chile, a viajar e a aprender, ou regressar a Portugal, para trabalhar e ensinar.
Vocês já tinham visto a imagem do buraco negro da M87 antes da revelação ao mundo, certo? Como se guardou este segredo?
Sim. Esse segredo guardou-se com alguma pressão. É o normal, julgo eu, nestas grandes colaborações. Na verdade, é a primeira grande colaboração em que participo. E o que fizeram foi dizer-nos que só teríamos acesso ao artigo se concordássemos que não abríamos a boca, basicamente. Assumimos um compromisso ao afirmar que não íamos para os meios [de comunicação social]. Falávamos só com quem também tinha sido autorizado a falar. É legítimo porque é o resultado que é. Efectivamente, havia que guardar segredo.
Não houve fugas?
Não posso dizer que não houve, pode ter havido. Mas nada que comprometesse o resultado. O resultado em si é que sobressai. Claro que uma pessoa tem sempre a tendência de contar aos amigos ou família. Mas, que eu saiba, toda a gente se controlou. Porque eu também só soube dos resultados mesmo, mesmo, recentemente. Inicialmente estive apenas a prestar um serviço para o projecto e só há pouco tempo é que a equipa do EHT me convidou, a mim e a outros colegas, pelo trabalho que tínhamos feito.
Mas ainda há razões para comemorar agora.
Claro que sim. Neste momento estou, sobretudo, muito contente que haja tanto interesse nacional e, por isso, estou a dar várias entrevistas a todos os que me contactam. Acho que a comunidade portuguesa deve conhecer esta descoberta e é importante mostrar a quem quiser trabalhar em astrofísica em Portugal que é possível participar em projectos destes. É difícil, não vou mentir, mas é importante que saibam que se podem envolver depois nestes grandes resultados.
Lembra-se do momento em que decidiu ser astrofísico?
Não tenho como definir um momento em que decidi ser o que sou agora, simplesmente fui desbravando caminho. Se tiver que definir algo, foi quando os meus pais me ofereceram um telescópio no final do liceu, quando estava na área de Artes e Física. Estava no Ribatejo, em casa dos meus avós, e as duas primeiras “estrelas” a que apontei eram afinal Júpiter e Saturno. Nunca esquecerei essa noite de frio e entusiasmo. O porquê de ter seguido esta área tem a ver com esta sensação de procura e exploração, seguida do conseguir chegar a uma resposta ou conclusão com os meus colegas e partilhar isso com a comunidade e público. O facto da matéria de estudo ser algo tão maior do que nós (ao ponto de nos “colocar no sítio devido”), tão inexplicado, só torna tudo bem mais interessante.
O que vemos na imagem que foi revelada a 10 de Abril?
Vemos um anel de luz emitida não só pela matéria a altas temperaturas em redor do buraco negro super-massivo (BNSM), mas também do anel de fotões (um órbita circular instável à volta do BNSM interior à qual nada escapará). A matéria em redor de que falo são partículas com carga eléctrica (iões) que orbitam o BSNM a velocidades bem perto da luz (aproximadamente 300 mil quilómetros por segundo). Devido à sua velocidade, há muitas colisões entre partículas, o que induz as altas temperaturas. Há ainda a possibilidade de que se esteja a ver alguma luz do jacto que sai desta região (e que depois se vê a sair da galáxia a maiores escalas/distâncias), mas os dados actuais não permitem ter a certeza neste momento. O facto da parte sul do anel aparecer mais brilhante é resultado da rotação a alta velocidade do gás preferencialmente a vir na nossa direcção. Ou seja, a parte norte afasta-se em geral, daí dizermos que esta matéria está a rodar em torno do BNSM.
O que é que esta imagem ainda não mostra?
Apesar de ser a melhor e única imagem da sombra de um BNSM, ainda não é detalhada o suficiente para diferenciarmos certos cenários. Para além da questão da rotação do BNSM, há ainda que explicar a origem dos jactos da M87 (e talvez por arrasto de todos os jactos vistos a sair de galáxias). Estes jactos têm uma implicação gigante na interpretação da evolução de galáxias, uma vez que são um dos mecanismos usados pela teoria para travar o crescimento de galáxias ao empurrar gás para fora (do potencial gravítico) da galáxia (ou seja, o gás já não dará origem a estrelas). Ao percebermos como se formam e o que os induz, poderemos perceber melhor seu papel evolutivo.
No dia da revelação falou-se muito de estarmos perante mais um teste de como a teoria da Relatividade Geral De Einstein passou com distinção…
Efectivamente, Einstein propôs a teoria da Relatividade Geral e depois apareceram logo outras pessoas que fizeram alguns cálculos e disseram “Se isto for assim, então a previsão é tal”. O matemático Karl Schwarzschild previu que efectivamente existiriam estes buracos negros, através das equações de Einstein. E agora percebemos que a proposta de Einstein e as implicações retiradas por Schwarzschild estavam correctas. É um feito espectacular. Significa que a sociedade está no caminho certo e vamos continuar a testar esta teoria e verificar todas as previsões que resultam da teoria da Relatividade Geral até percebermos quando é que ela falha — se é que falha.
Qual é o próximo passo do projecto? Depois da imagem da galáxia M87, vamos ter uma imagem do buraco negro que está no centro da nossa galáxia, a Via Láctea?
Esse é um dos objectivos do EHT.
Já têm essa imagem?
Pois… bem… o que eu posso dizer é que estão a trabalhar nos dados que se observaram. O que posso dizer é que Sagitário A é bem mais complicado que a M87.
Porque é mais pequena?
É mais pequena e é mais variável… Tem de se corrigir essa variabilidade, tem de se corrigir também o plasma, todo este gás quente e envolvente que está à frente desse buraco negro.
Esses dados podem ser revelados quando?
Isso é que eu não posso… não sei dizer.
Qual foi a sua participação no projecto?
A minha primeira contribuição foi em Janeiro de 2017, fui ao ALMA com uma equipa fazer o teste do sistema que permite fazer com que o ALMA funcione com uma só antena. E aí comecei a aprender sobre o sistema e sobre o tipo de observações que tínhamos de fazer. Depois, em Abril de 2017, quando observámos esta fonte, participei na preparação e execução e estive a fazer as observações. E depois, mais tarde, participei na equipa que faz a calibração e a verificação da remoção de imperfeições do ALMA. Se há alguma coisa que não esteja tão homogénea também tem de se corrigir.
Onde fez a sua formação? Como foi parar ao ALMA?
Sou astrofísico. Fiz o curso em Astrofísica na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tirei o doutoramento na Faculdade de Lisboa e fui fazer um pós-doutoramento no Chile. Depois voltei para Portugal, onde estive também para um doutoramento com uma bolsa da FCT. De 2014 a 2016 estive com uma bolsa da FCT no Centro de Competências para o ALMA, em Portugal, como líder científico do grupo. Depois candidatei-me a um pós-doutoramento aqui no Chile, para vir para o ALMA. E agora estou aqui como ALMA fellow. Termino em Agosto.
O que gostaria de fazer depois de Agosto? Ficar no Chile? Voltar para Portugal? Ir para onde, fazer o quê?
O plano, a partir de Agosto, ainda está bem incerto. O ideal será sempre regressar a Portugal para uma posição estável onde possa assentar e passar o conhecimento adquirido para a comunidade portuguesa. Especificamente, regressar para o Centro de Competência ALMA em Portugal, onde poderia apoiar a comunidade científica a propor este tipo de projectos. Existe excelente trabalho teórico feito em Portugal às escalas físicas apresentadas no dia 10, falta dar o salto para a observação. Entretanto, ando a enviar candidaturas, por exemplo, aos contratos Stimulus da FCT e também a umas posições que abriram aqui no ALMA, mas ainda espero os resultados e a qualidade de candidatos é alta, pelo que nada é certo. Se nada disto resultar, vou viajar pelo Chile. É um país que tem muito que oferecer, especificamente, há um trilho de 2800 quilómetros que abriu recentemente no Sul do país, ligando 17 parques nacionais. Parece a maior das aventuras que uma pessoa tem de fazer enquanto tem energia e corpo para isso. Esta poderá ser a oportunidade.