O caminho para sair do impasse ainda não está à vista
Câmara dos Comuns faz pausa até 23 de Abril. A primeira-ministra britânica ainda espera conseguir fazer aprovar o seu acordo e evitar a participação nas eleições europeias. Mas há uma grande probabilidade de um novo pedido de adiamento
A Câmara dos Comuns ouviu esta quinta-feira a primeira-ministra britânica, Theresa May, defender o adiamento do prazo do “Brexit” que conseguiu de Bruxelas, mas continua a não se vislumbrar um caminho viável para fora do impasse e que permita concretizar a saída do Reino Unido da União Europeia.
Além da extensão de seis meses, nada mudou nem na política interna do Reino Unido, nem no que está em cima da mesa para ser aprovado pela Câmara dos Comuns. O acordo que a União Europeia oferece mantém-se o mesmo, e May continua a enfrentar uma grande oposição a que este acordo seja aprovado pelo Parlamento.
Neste momento há duas hipóteses para o processo do “Brexit” ter um desfecho a curto prazo: May consegue fazer aprovar o seu acordo antes de 22 de Maio e evita ter de participar nas eleições europeias; ou o Governo britânico decide não participar nas eleições europeias e sai sem acordo a 1 de Junho – a participação nas eleições foi a única condição da União Europeia para a extensão do prazo.
May está apostar na primeira. Insiste que o Reino Unido “ainda pode sair a 22 de Maio e não ir a estas eleições europeias” – para isso seria apenas necessário que o Parlamento aprovasse o acordo que negociou com Bruxelas, e que já foi três vezes rejeitado pela Câmara dos Comuns.
Se não acontecer nenhuma destas hipóteses, abre-se um novo período de discussão no Reino Unido – e se do lado da União Europeia já foi dito e repetido que o acordo de saída não está aberto a renegociação, do lado britânico responsáveis políticos, especialmente os defensores de um “hard Brexit”, continuam a debater como se fosse possível renegociar. Este acordo diz respeito às condições de saída, direitos de cidadãos, e a garantia de que não haverá um regresso a uma fronteira entre a Irlanda (UE) e a Irlanda do Norte (Reino Unido).
O que está, sim, aberto a negociação é a futura relação entre o Reino Unido e a União Europeia – May acordou com a UE uma declaração política para esta relação, mas esta será iniciada apenas depois da saída.
A BBC resume que há três correntes entre os deputados – os que querem sair já, incluindo alguns que o fariam mesmo sem acordo; os que aceitam sair mas preferiam uma relação próxima com a União Europeia, com uma união aduaneira por exemplo; e os que querem reverter o “Brexit” e manter o Reino Unido na União Europeia.
Em cada votação no Parlamento, não tem sido possível conseguir nenhuma maioria para um caminho a seguir – e, segundo a BBC, os deputados têm ficado cada vez mais entrincheirados nas suas posições. “Não vai ser fácil encontrar-se um acordo nos próximos meses.”
"Símbolo de falhanço político"
Na Câmara dos Comuns, a primeira-ministra defendeu a sua decisão de pedir o adiamento mesmo que este implicasse a participação nas eleições, mesmo que isso tenha sido o que prometera não fazer.
Ainda a semana passada, May disse: “A ideia do povo britânico ir às urnas para eleger eurodeputados três anos depois de votar para deixar a União Europeia dá que pensar. Não poderia haver um símbolo mais forte do falhanço político colectivo do Parlamento.”
Acrescentou agora que nada é mais urgente do que conseguir a saída, sublinhando que quer ratificar um acordo o mais rapidamente possível para evitar participar nas eleições para o Parlamento Europeu, a 23 de Maio.
Uma sondagem publicada na quarta-feira mostrava um cenário desolador para os conservadores caso participassem nas eleições, com 23% dos votos contra 28% para o Labour. Um partido recém-criado por Nigel Farage para o “Brexit” teria 10% dos votos e o seu antigo partido, UKIP (Partido para a Independência do Reino Unido) teria 8%.
Os conservadores arriscam ser ainda penalizados nas eleições locais, que serão realizadas a 2 de Maio.
O líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, disse que “o segundo adiamento no espaço de uma quinzena é resultado não só de um falhanço diplomático, mas é um novo marco na má gestão do Governo de todo o processo do ‘Brexit'”.
Apesar disso, tanto Corbyn como May disseram que iriam continuar conversações que poderiam permitir ao Labour apoiar o acordo da primeira-ministra na Câmara dos Comuns em troca de garantias de uma relação futura em que o Reino Unido se mantenha na união aduaneira ou de que qualquer acordo seria sujeito a um segundo referendo.
Ninguém ganhou
Quem é que ganhou com esta extensão?, pergunta o Financial Times. “Talvez ninguém. May sobrevive, mas mais fraca. Os seus opositores, incluindo Jeremy Corbyn, Boris Johnson e os que fazem campanha por um segundo referendo – estão mais fortes, mas não têm um caminho claro para conseguir o seu objectivo.” Todos vão continuar a lutar por mais vantagem para o seu campo. “Outra extensão do artigo 50º parece relativamente provável.”
May tem vindo a sobreviver, mas poucos acreditam que ainda esteja no cargo em Outubro. Por outro lado, com este período de adiamento, não haveria tempo suficiente para eleger um novo líder (May só pode ser afastada da liderança do partido a partir de Dezembro, embora os seus críticos planeiem um voto indicativo para o seu afastamento, o que não seria vinculativo), nem de preparar um segundo referendo (que o Governo diz que precisariam seis meses para realizar um novo referendo).
O deputado conservador eurocéptico Bill Cash chegou mesmo a perguntar a May, na sessão dos Comuns, se ela se iria afastar. “Acho que sabe a resposta a isso”, disse simplesmente a primeira-ministra.
No final da sessão da Câmara dos Comuns, Theresa May deixou o mote para os próximos tempos: que a pausa até 23 de Abril possa trazer um avanço decisivo: “Nessa altura, vamos então decidir encontrar um modo de sair deste impasse, para que possamos sair da União Europeia com um acordo tão depressa quanto possível”, declarou.