Snowden, o senhor que se seguiu a Assange

Três anos após as denúncias da WikiLeaks, o informático expôs programas de vigilância em massa, tornando-se procurado pelos EUA. Vive hoje exilado em Moscovo e é um activista da liberdade de imprensa.

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Snowden, numa conferência no Estoril. O antigo informático é um rosto conhecido na defesa da iberdade de informação NUNO FERREIRA SANTOS

Em 2013, Edward Snowden, um informático a trabalhar para a Agência Nacional de Segurança norte-americana, decidiu desistir de um emprego confortável, apanhar um avião para Hong Kong e fechar-se num hotel para divulgar milhares de documentos com informação sobre programas de espionagem e cibervigilância em larga escala levados a cabo pelos EUA.

As revelações mostraram ao mundo como os telemóveis, computadores e a Internet podem ser usados para controlar as conversas, actividades e deslocações de cidadãos comuns e de políticos mundiais. Aquele que é o maior escândalo de privacidade até à data desenrolou-se apenas três anos após a WikiLeaks, criada por Julian Assange, ter divulgado milhares de documentos diplomáticos e publicado vídeos sobre a actuação dos militares americanos no estrangeiro, colocando num palco mundial o material roubado pela então militar Chelsea Manning.

Assange foi esta quinta-feira detido no Reino Unido, após sete anos embaixada do Equador, onde se tinha refugiado quando as autoridades suecas começaram a investigar uma queixa de violação contra si. Manning cumpriu sete dos 35 anos de sentença numa prisão militar, antes de ser amnistiada por Barack Obama. Em Março, foi novamente detida, por se recusar a ir a tribunal testemunhar no processo da WikiLeaks.

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Chelsea Manning numa conferência em Berlim, em 2018 REUTERS/Axel Schmidt

Snowden, que tem 35 anos e é procurado pelas autoridades americanas por espionagem, encontrou asilo na Rússia. Mora em Moscovo e tornou-se um activista contra a vigilância estatal.

Vigilância massiva

O material obtido por Snowden mostrou como as autoridades americanas – por vezes, em parceria com outros países, como Reino Unido – tinha espiado milhões de cidadãos americanos e estrangeiros, frequentemente sem a autorização de um tribunal. Eram guardadas informações sobre chamadas telefónicas e mensagens – e não apenas os chamados metadados, como a hora e o local da ligação, mas, em muitos casos, também o conteúdo. A Agência Nacional de Segurança também tinha acesso a emails, actividade em redes sociais, bem como ao histórico de sites consultados e ainda a informação sobre o uso de aplicações em telemóveis.

Não seria surpresa para ninguém que os EUA estendiam as suas actividades de espionagem a líderes políticos estrangeiros. Mas os documentos que Snowden passou à imprensa, e que foram sendo noticiados ao longo de meses, mostraram que a vigilância se estendia a governantes e chefes de Estado de aliados dos americanos, como foi o caso da chanceler alemã, Angela Merkel. A notícia causou um sério embaraço diplomático à Administração Obama.

Os documentos levaram os jornalistas a descobrir uma multiplicidade de histórias que expuseram o alcance da Agência Nacional de Segurança. Na altura, notícias deram conta de que havia empresas de tecnologia a receber dinheiro para darem às autoridades americanas acesso a dados dos utilizadores. Gigantes como o Google, o Facebook, a Microsoft e a Apple negaram ter qualquer relação com os programas de espionagem e vigilância.

No que é hoje uma ironia da História, ficou também a saber-se que os EUA espiavam a chinesa Huawei, a qual acusam agora de ser um agente de espionagem a favor do Governo de Pequim.

Mesmo sem sair da Rússia, Snowden tornou-se um dos rostos mundiais contra a vigilância dos estados e a favor da liberdade de informação. É presidente da Fundação para a Liberdade de Imprensa, uma organização sem fins lucrativos que durante anos angariou dinheiro para a WikiLeaks, depois de empresas americanas como a Visa, a Mastercard e o PayPal terem sido proibidas de processar pagamentos para esta organização. A fundação também contratou um estenógrafo para tirar notas durante o julgamento de Manning, que era aberto à imprensa e ao público, mas cujos registos e documentos não eram divulgados.

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Snowden nas Conferências do Estoril Nuno Ferreira Santos

"Momento negro"

O antigo informático participa com frequência em conferências, através de videochamadas. Aconteceu, por exemplo, no Estoril, há dois anos. “Quando a lei trabalha contra nós, cada um de nós tem a incumbência de a deitar abaixo. Não lutámos em revoluções nos nossos países pelo acesso a políticas secretas ou regulamentação, lutámos para estabelecer direitos universais e esses direitos estão ameaçados”, disse. Foi aplaudido de pé.

Já no ano passado, numa entrevista ao britânico The Guardian, um dos jornais envolvidos na divulgação inicial dos documentos, Snowden mostrou-se crítico das autoridades: “O governo e o sector empresarial aproveitaram-se da nossa ignorância. Mas agora sabemos. As pessoas sabem. As pessoas ainda não têm capacidade para parar isto, mas estamos a tentar. As revelações tornaram a luta mais equilibrada.”

No Twitter, Snowden reagiu à detenção de Assange. “As imagens da embaixada do Equador a convidar a polícia secreta do Reino Unido para dentro da embaixada e a arrastar o director de – goste-se ou não – jornalismo vencedor de prémios para fora do edifício vão acabar nos livros de História”, afirmou, referindo-se aos vários prémios que foram atribuídos à WikiLeaks e a jornalistas que usaram o material divulgado pela organização.

“Os críticos de Assange podem festejar, mas este é um momento negro para a liberdade de imprensa”, acrescentou.

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