Marisa Matias: avaliação da “geringonça” nas eleições europeias é “inevitável”
A eurodeputada do Bloco de Esquerda alerta para o cenário de uma nova crise, que não é posto de lado por parte das “instituições mais insuspeitas a nível europeu”. E avisa: “Se não houver alterações na arquitectura da moeda única, ela não sobrevive a uma nova crise”.
A cabeça-de-lista do Bloco de Esquerda às eleições europeias, Marisa Matias, espera que haja condições para neutralizar a extrema-direita, não apenas com a esquerda, mas com todas as forças “que se revêem nos valores democráticos”. E que Portugal consiga criar um estatuto do cuidador informal ainda nesta legislatura.
Defende uma renegociação multilateral das dívidas públicas. Até onde está o BE disponível para ir no confronto com Bruxelas? Será necessário esse confronto?
É daqueles que não podemos continuar eternamente a adiar. Houve uma certa esperança criada pelo primeiro-ministro, mas depois ficou à espera das eleições em Itália, na Alemanha… Entretanto, já passou quase uma legislatura e não se avançou. Preferencialmente [a renegociação] deverá ser feita para o espaço da União Europeia e não apenas país a país. Não havendo vontade política ou maiorias políticas que permitam avançar à escala europeia que vá avançando à escala nacional.
Tem feito duras críticas a Mário Centeno. Tem sido um ministro das Finanças aquém das expectativas ou um presidente do Eurogrupo pouco combativo? Ou o problema é a coerência entre os dois cargos?
Há uma incoerência profunda entre Mário Centeno presidente do Eurogrupo e Mário Centeno ministro das Finanças. Mário Centeno, ministro das Finanças, está condicionado por um acordo assinado com os partidos à esquerda e que não era o seu programa macroeconómico, isso até posso perceber. Mas o seu comportamento enquanto presidente do Eurogrupo é, na prática, a tradução daquilo que defende como política económica. Celebrar o sucesso do programa de ajustamento da Grécia é fazer pouco das pessoas que perderam tudo e quase tudo na Grécia. Não vale tudo para ser presidente do Eurogrupo.
As europeias vão avaliar a satisfação dos eleitores com a solução de Governo?
É inevitável que aconteça, de certa maneira. É inevitável que, quando uma pessoa vá votar, o faça por aquilo que sente mais próximo na sua vida. Como não há a percepção, infelizmente, do quanto as políticas decididas em Bruxelas afectam a vida das pessoas, provavelmente poderão votar ou não mais pela percepção daquilo que foi a solução da “geringonça”.
Tem esperança de vir a ter companhia, como eurodeputada do BE?
Queremos reforçar a nossa representação, é óbvio.
Não quer colocar uma meta?
Não. Teremos os votos que merecermos.
Como é que viu a frase de Mário Centeno sobre o investimento não ser como a Anita vai às compras?
Com alguma tristeza.
Há diferenças de perspectivas sobre o investimento entre o BE e o Governo?
Não devia haver, mas há. Com alguma dor, confesso. Estamos com esta obsessão do défice zero e défice zero significa investimento zero. Estamos a degradar os nossos serviços públicos.
No manifesto, o BE também fala no “cenário bem verosímil de uma nova crise financeira”. Está convencida de que vem aí uma nova crise?
Não sou eu, são os relatórios que vamos recebendo, as comunicações que chegam por parte das instituições mais insuspeitas a nível europeu. O Banco Central Europeu e outras instituições não põem de lado a hipótese de uma nova crise. A questão foi debatida agora, a propósito dos 20 anos do euro, precisamente porque várias pessoas mostraram que, se não houver alterações na arquitectura da moeda única, ela não sobrevive a uma nova crise de natureza semelhante à que vivemos há cerca de dez anos.
Com uma nova reconfiguração das forças europeias haverá condições para reconfigurar a moeda?
Está tudo em aberto. Estamos num momento do tudo ou nada. Ou se caminha para tocar onde se tem de tocar, para responder aos problemas concretos das pessoas e das economias da União Europeia ou estamos a caminhar para uma desunião cada vez maior do projecto europeu. Espero que haja condições para neutralizar a extrema-direita com a esquerda e com outras forças democráticas, não apenas a esquerda, mas aquelas que se revêem nos valores democráticos. Há alianças que se estão a formar que vão além da própria dimensão representativa. Tenho esperança de que esta greve do clima se venha a converter num peso pesado na política, no sentido de influenciar decisões e de obrigar a não adiar mais aquilo que é uma urgência, que é uma política de combate às alterações climáticas.
Acredita que vai haver um estatuto do cuidador informal até ao fim desta legislatura?
Espero bem que sim. Sinceramente espero mesmo. Não podemos abandonar 800 mil pessoas que estão a cumprir uma função que vai além da sua obrigação. Estão a substituir o Estado em muitas das suas funções e têm estado completamente ao abandono.