Sartawi: o atentado terrorista que (ainda hoje) envergonha Portugal

Passam hoje 36 anos desde o assassinato à queima-roupa de um dos mais destacados e moderados membros da OLP, em pleno solo português. Foi um só homem que disparou seis tiros no átrio de um hotel para turistas no Algarve e pôs-se em fuga a pé. A polícia nada fez. Foi assim que nasceram os serviços secretos civis portugueses.

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Lusa/Arquivo

Eram 9h da manhã, ainda havia várias pessoas a terminar o pequeno-almoço no salão de refeições do Hotel Montechoro, em Albufeira. Um homem, sozinho, empunha uma Beretta de fabrico italiano, e dispara à queima-roupa seis tiros contra Issam Sartawi, médico e conselheiro de Arafat, um moderado e negociador de uma solução pacífica com Israel. Sartawi estava em Portugal para participar no XVI Congresso da Internacional Socialista, tendo por anfitrião Mário Soares. O palestiniano cai imediatamente no chão. Os dois polícias que o acompanhavam ficam sem capacidade de reacção. E o atirador abandona o hotel a pé, sem ser detido. A arma seria encontrada por jornalistas, que estavam em Albufeira para cobrir a reunião da Internacional Socialista, a 300 metros do hotel.

Faz exactamente hoje 36 anos que o representante da OLP foi assassinado, num acto terrorista reivindicado pela organização extremista palestiniana de Abu Nidal. Sartawi era conselheiro pessoal de Yasser Arafat e conhecido pelas suas posições favoráveis à abertura do diálogo com a esquerda israelita para uma solução pacífica do problema palestiniano. Uma atitude que lhe valeu o ódio dos radicais palestinianos. Os seguidores de Abul Nidal chamavam-lhe “traidor” e “agente ao serviço dos israelitas”. ”Apesar daquilo que os dirigentes palestinianos têm afirmado, eles desde há muito reconheceram efectivamente Israel e não há necessidade nenhuma em esconder isso do resto do mundo”, defendera Issam Sartawi​, em declarações aos jornalistas, em Fevereiro desse ano.

No dia seguinte, The New York Times titulava: “Assassinato de um membro moderado da OLP: aviso para Arafat?”.

Na década de 80, Portugal foi palco de uma série de atentados terroristas, relacionados com grupos extremistas do Médio Oriente. No mesmo ano do assassinato de Sartawi, um ataque à embaixada da Turquia em Lisboa fez sete mortos e expôs a impreparação das forças policiais. Foi nessa altura também que os responsáveis políticos perceberam que deviam criar serviços de informações civis. Até então, só existiam os militares.

Hoje, o próprio site oficial do SIS assume que o caso do Sartawi foi um dos motivos que motivou a criação de uma rede de serviços secretos civis em Portugal: “O reconhecimento da necessidade de criar um sistema de informações foi largamente influenciado pela sucessão de atentados registados em território nacional: em 1979, o atentado à Embaixada de Israel que se saldou em um morto e vários feridos; em 1981 o assassinato do adido comercial da Embaixada da Turquia por um comando arménio; em 1983 regista-se o assassinato de Issam Sartawi, em Montechoro, Algarve, e em Julho desse mesmo ano um comando arménio ataca a Embaixada de Turquia, do qual resultam sete mortos”.

O desastre na resposta ao assalto à embaixada da Turquia

A resposta de Portugal ao ataque à embaixada da Turquia é uma espécie de manual sobre tudo o que não se deve fazer. Uma quarta-feira, dia 27 de Julho, pelas 10h40 da manhã, dois automóveis aproximaram-se da embaixada da Turquia, na Avenida das Descobertas, em Lisboa. Perante os portões fechados, um dos condutores projecta o carro contra as grades para tentar forçar a entrada. A segurança atira sobre um dos homens, que tem morte imediata. Os outros quatro fogem, refugiando-se na residência oficial contígua à embaixada. Aí, fazem reféns a mulher e o filho do encarregado de negócios turco. Um agente da PSP entra na casa, disposto a negociar com o grupo armado. Passados minutos, dá-se uma violenta explosão. Ao que tudo indica, os quatro homens, que pertenciam a um comando arménio, tinham armadilhado o primeiro andar. Por acidente, os explosivos são detonados. Morrem os quatro terroristas, o agente da PSP e a mulher do encarregado de negócios.

O atentado seria reivindicado em Paris por uma organização desconhecida, o Exército Revolucionário Arménio. Quatro terroristas arménios, possuidores de passaportes libaneses, tinham vindo de Beirute via Roma. Um viajara de Damasco. Nas duas viaturas alugadas, foram encontradas munições e víveres que davam a entender que o plano dos terroristas era permanecer alguns dias dentro das instalações. Foram ainda encontrados explosivos de fabrico soviético, três pistolas metralhadoras Valan-Makarof, de fabrico polaco, e uma Scorpion norte-americana.

A actuação da polícia, neste caso, suscitou várias críticas pelo facto de um dos agentes da PSP ter entrado sozinho e, mais tarde, pela ordem dada ao Grupo de Operações Especiais (GOE) — criado no ano anterior — para assaltarem a casa com reféns e “atirarem à vista”. Numa das suas primeiras provas, o GOE, no entanto, demorou cerca de 40 minutos até encontrar já sem vida os terroristas. A mulher ainda foi transportada com vida para o hospital, acabando por morrer.

Outra coisa inexplicável foi o facto de funcionários da embaixada terem avisado na véspera a polícia da presença de um carro suspeito que rondava a embaixada. Na posse da matrícula, a polícia descobriu o nome dos homens que o tinham alugado, mas não o paradeiro. No dia seguinte, esse foi um dos automóveis utilizados no atentado.

Os diplomatas turcos ainda tinham presente na memória o assassinato do adido comercial da embaixada da Turquia em Lisboa, em 1982. Erkut Akbay foi atingido com quatro tiros quando chegava a casa em Linda-a-Velha, pelas 13h. O autor, pertencente a um comando arménio, fugiu a pé. Em 2013, a Câmara de Oeiras construiu um memorial para assinalar esse acontecimento, a que chamou de Monumento de Homenagem à Paz e à Concórdia entre os Povos.

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