Há um Jesus desconhecido para descobrir no canal História

A Páscoa começa a celebrar-se já nesta segunda-feira na televisão com uma espécie de documentário sobre a vida de Jesus Cristo.

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Mary Donahue não engana com a sua tez e olhos claros, nem com o seu apelido. Embora norte-americana, as suas raízes são irlandesas e andou no colégio católico, confessa a editora-executiva do canal História. Por isso, pede que confiem nela quando diz que ao ver os dois primeiros episódios de Jesus: A Sua Vida – que vai para o ar nesta segunda-feira, naquele canal – aprendeu imensa coisa que não sabia.

Quando a série estreou nos EUA, a irmã passou o programa a enviar-lhe SMS espantada com o que ia aprendendo a partir das declarações dos vários especialistas, conta a responsável, em Londres, durante um encontro com a imprensa. “Há imensa coisa sobre os romanos que desconhecia”, diz.

Simon Sebag Montefiore, historiador e um dos especialistas consultados para esta produção, dá outro exemplo: “O massacre dos inocentes [de que fala a Bíblia para explicar a fuga de José, Maria e Jesus para o Egipto] talvez não tenha acontecido. Eu acredito que não aconteceu, mas na série estão as duas versões”, aponta. Ao todo foram ouvidos cerca de três dezenas de especialistas em história, religião, mas também líderes espirituais cristãos, judeus e muçulmanos. E, por isso, em muitos casos há várias versões ou interpretações para aquilo que terá acontecido há mais de dois mil anos.

“Há diferentes ideias que estão reflectidas na série”, declara Ben Goold, produtor-executivo, referindo a questão da fratria de Jesus. Se os católicos acreditam na imaculada concepção de Maria e na sua perpétua virgindade, os outros cristãos assumem o que diz a Bíblia sobre os irmãos de Jesus. Estas duas visões estão na série, sublinha Goold. Houda Echouafni, a actriz escolhida para interpretar a mãe de Jesus, recorda a surpresa que foi quando leu o guião. “Fiquei espantada. Ela tinha mais filhos, como? É que não era só um, mas muitos!”, recorda, fazendo rir os jornalistas.

José também não era apenas um carpinteiro, mas saberia outros ofícios na construção civil, é referido no primeiro episódio. Para Ben Goold a ideia de fazer a série na perspectiva de diferentes pessoas que se cruzaram com Jesus partiu precisamente da figura de José, um homem que se confronta com o dilema de proteger ou denunciar a noiva que engravidou por obra e graça do Espírito Santo.

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A responsabilidade de fazer esta série reside no contar bem “uma história da qual todos pensam que são donos dela, que sabem como deve ser contada”, continua Goold. Em termos documentais houve a preocupação de reflectir o tempo em que a acção se passa, a geografia do local – embora a série tenha sido filmada em Marrocos –, os objectos e formas de vestir de então. Por exemplo, o guarda-roupa de Maria foi pensado ao pormenor porque “ela é um ícone”. “É uma enorme responsabilidade. As pessoas amam estas personagens.”

Há cinco anos que Goold imaginava este projecto que acabou por ser feito – da escrita do guião ao lançamento – em 13 meses. 

‘Eu conheci Jesus’

Com tantos filmes e séries sobre a vida de Jesus, o que traz esta de novo? “Ninguém contou esta história como nós. Através da perspectiva de pessoas comuns”, responde Mary Donahue. “O ponto de partida foi ouvir pessoas que diziam ‘Eu conheci Jesus’”, complementa Jane Root, produtora-executiva da Nutopia, a produtora da série.

E quem são essas “pessoas comuns”? A produção escolheu oito perspectivas que correspondem a oito episódios, para contar a história de Jesus. Começa com José, o pai adoptivo; passa por João Baptista, que prega no deserto e baptiza Jesus; Maria, a mãe que se sente dividida entre protegê-lo e ajudá-lo a cumprir os seus desígnios; o sumo-sacerdote Caifás; Judas, o discípulo que trai Jesus; o governador romano Pôncio Pilatos; Maria Madalena, a mulher que descobre que Jesus ressuscitou; e Pedro, o discípulo que assume a missão de espalhar a mensagem. “São personagens históricas”, reforça Jane Root.

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Aos actores, desde o momento do casting às filmagens, foi-lhes sempre passada uma única mensagem, recorda Goold: “Lembrem-se que estas pessoas não sabem que estão na Bíblia e que vão ser veneradas.” O objectivo é que a representação fosse o mais real possível. Para Ramin Karimloo, que representa José, “foi fácil” fazer um pai amoroso para com aquele filho especial. Já Greg Barnett, que faz de Jesus, desconfia que o que lhe terá dado o papel foi, no casting, ter partido uma cadeira ao fazer a cena de Jesus furioso com os mercadores do templo. Já Anthony Kaye, o Anjo Gabriel, teve alguma dificuldade em interpretar a figura. Afinal como é que se grita aos pastores de uma forma serena?

Sem polémica

A história que cada uma das personagens conta baseia-se não só na Bíblia mas noutros textos, documentos de historiadores romanos, arqueológicos, bem como estudos posteriores, enumera Simon Sebag Montefiore. “Houve muito cuidado na escolha dos historiadores, assim como uma preocupação para não ofender ninguém”, acrescenta Mary Donahue. Porque se trata de uma “história que significa muito para muitas pessoas no mundo inteiro”, justifica Jane Root. 

Simon Sebag Montefiore, que só viu os dois primeiros episódios diz que ficou “impressionado”. “Há a história convencional, há a mitologia [em torno da mesma] e o desafio de analisar as fontes”, resume o historiador. “É fascinante olhar para o mundo em que estas personagens viviam e perceber que é muito mais complicado do que o que nos foi contado em crianças”, acrescenta. “Não se pode entender a história de Jesus sem perceber as questões políticas [de então]. Não se pode compreender a história da Europa, sem compreender esta história [de Jesus]”, aponta Ben Goold.

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Existe algum conflito entre a história e a fé, pergunta o PÚBLICO. Mary Donahue discorda. “Estamos a contar uma história”, responde. “São diferentes perspectivas as que estamos a contar. Os grupos religiosos são muito respeitosos em relação a essas diferentes perspectivas”, afiança Jane Root. “Queríamos reflectir [o que pensam] as diferentes igrejas”, refere Ben Goolf. Donahue acrescenta que nos EUA os dois primeiros episódios, os únicos que já foram para o ar, não suscitaram qualquer polémica. 

Se o público do canal História está na faixa etária dos 25 aos 44 anos, “esta é um projecto global, para toda a família”, conclui Mary Donahue.

O PÚBLICO viajou até Londres a convite do canal História

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