Diário
30 de Março
Para perceber que estamos mesmo fora do sistema solar, basta ver o uso cada vez mais frequente da expressão “facto objectivo”.
31 de Março
Os senhores advogados da Assembleia da República deram esta semana um pequeno escândalo, quando se autorizaram a si próprios a fazer tudo o que lhes apetecesse, sem prestar contas a ninguém. As virgens do costume vieram logo dizer que a qualidade de representante da nação era incompatível com o baixo mundo dos interesses. O país não se comoveu. E fez bem. Se os senhores advogados em causa fossem sinceros deviam reconhecer duas coisas. Primeira, que procuram em São Bento, principalmente, alguma notoriedade que de outra maneira não conseguiriam. Segundo, que não têm qualquer poder ou influência, a não ser a que, por acaso, lhes dá uma posição no partido, que manda neles como no resto.
1 de Abril
O referendo, que é um modo tumultuário de governo, manifestou a vontade dos britânicos de saírem da União Europeia. O parlamento, que é o modo representativo de governo, nunca quis, nem quer, sair da União Europeia. Desconfio que o parlamento, ainda que por caminhos ínvios, vai ganhar.
2 de Abril
António Costa anda em campanha eleitoral. Mas não precisa de se esforçar. Numa sociedade de pobreza, o maior valor é a segurança, e hoje a segurança é o PS. Mesmo sem uma maioria absoluta, o PS será sempre o poder decisivo e tem, aliás, na sua história um precedente importante: o “PS sozinho” de Zenha e Soares de 1976 a 1979.
3 de Abril
A velha polémica entre quem quer um défice baixo, ou nulo, e as contas do Estado bem reguladas, e quem quer baixar os impostos voltou à cena política. Infelizmente é uma polémica muito velha e sem resolução. A carga fiscal é alta não porque o Estado seja particularmente ineficiente, mas por causa do papel central que tem na sociedade portuguesa, que ninguém se propõe, ou pode, diminuir.
4 de Abril
Desconfiei bem. A resistência de um parlamento plebeu à última tentativa de política imperial ganhou o dia. May tem agora de se entender com Corbyn para um soft Brexit. Ou seja, para um fingimento de Brexit.
Tenho pena. Cresci e até me eduquei na Inglaterra antiga, inigualitária e snob, que era para mim uma segunda pátria; e não me reconheço na Inglaterra dos remainers.
5 de Abril
O problema com as famílias do PS é que não é um problema de família. É um problema de seita. Aquela esquerda, como toda a esquerda, é uma seita. Não tolera nenhuma espécie de contradição. Para viver com ela tem de se partilhar os pressupostos, os preconceitos e as referências de uma certa visão do mundo. Quem fica de fora não passa de um estranho, de uma presença incómoda e hostil, que deve ser combatida. Não admira que, quando a seita chega ao poder, suspeite do mundo inteiro e prefira os seus fiéis ao resto da humanidade.
O que se perde nisto não resulta do famoso “afunilamento da classe politica”; o que se perde nisto resulta de um “afunilamento” intelectual e político.
5 de Abril à noite
A televisão anuncia hoje que António Costa descobriu um bode expiatório para os seus sarilhos. Foi um secretário de Estado qualquer, certamente um bom homem, que nomeou o primo para o gabinete. Em 1980, também nomeei uma ex-cunhada para o meu gabinete, na maior paz de espírito. Gostava dela e ela conhecia a “casa”. Não me ocorreu que estivesse a cometer um tenebroso acto de nepotismo. Precisava de confiança e discrição, e aquela era uma nomeação política: a minha ex-cunhada desaparecia comigo e não deixava rasto.